Houve uma época em que reprintar Dark Confidant era impensável. Desde que foi lançado em Ravnica: City of Guilds, ele rapidamente se tornou uma das, se não a melhor criatura de todos os tempos de Magic — tecnicamente, foi ele quem deu início ao “ciclo” de two-drops poderosos que, nos anos seguintes, permeariam os principais formatos competitivos.
O ciclo começou dois anos depois, com Tarmogoyf sendo a melhor criatura verde do jogo. Em 2011, o ciclo ganhou sua terceira ferramenta com Stoneforge Mystic, que além de protagonizar um dos decks mais quebrados da história do Standard, deu origem ao Stoneblade, que se manifestou nas mais variadas combinações de cores no Legacy e levou ao banimento preventivo do card no Modern. Por fim, Innistrad trouxe Snapcaster Mage, outra staple atemporal em vários formatos durante muitos anos.
O tempo passou, e antes que o vermelho pudesse ganhar seu representante no ciclo (alguns argumentavam que era Eidolon of the Great Revel enquanto outros nomeavam Young Pyromancer), Modern Horizons chegou em 2019 e mudou a maneira de enxergar o nível de poder de Magic. Seu sucessor, Modern Horizons II, colocou o power creep na estratosfera: quem era Dark Confidant perto de Ragavan, Nimble Pilferer? De que valia um Snapcaster Mage quando Grief oferecia um Unmask com um corpo 3/2 com Ameaçar e Murktide Regent era um Gurmag Angler melhorado no azul?
O power creep não se limitou a Modern Horizons e passou também pelo Standard com a filosofia de F.I.R.E., adotada pela equipe de design de Magic a partir de War of the Spark. A ideia era de que todo card precisava ser Divertido, Convidativo, Rejogável e Empolgante (no inglês: Fun, Inviting, Replayable & Exciting). O resultado foi de uma dúzia de banimentos durante duas ou mais temporadas turbulentas do Standard e erros de design admitidos como Oko, Thief of Crowns, Uro, Titan of Nature’s Wrath, os Companions como Lurrus of the Dream-Den, dentre uma dúzia de outros cards que não necessariamente quebraram formatos (Omnath, Locus of Creation), mas colocaram a régua de jogável no Standard muito no alto.
Chegamos a 2025, estamos no meio das prévias de Final Fantasy, que será a a primeira expansão da série Universes Beyond válida no Standard. Até o momento, apesar da dúzia de cards com valor de mana superfaturados e que só devem ter relevância em mesas casuais ou Commander, há pelo menos três cards que deveriam estar explodindo as cabeças dos jogadores nesse momento: Um quase Stoneforge Mystic, uma quase Sword of Fire and Ice e, literalmente, Dark Confidant.

Mas não estamos. Enquanto há alguma discussão em torno do potencial desses cards, não há sinal de que elas serão as staples no Standard que elas costumavam ser no Modern e no Legacy. Por anos, pareceria loucura relançar Dark Confidant ou sequer sonhar com metade de uma Stoneforge Mystic por duas manas no Standard. Até o ano retrasado, pensar em um card com o design das espadas de Mirrodin chegando ao Standard parecia insanidade, e que a maneira segura de terminar o ciclo delas seria nos produtos de Modern Horizons, e se nem as Espadas que temos hoje tiveram relevância competitiva, por que uma que não oferece proteção teria?
Temos todas essas ferramentas chegando ao Standard, e não estamos empolgados. Pelo contrário, temos dúvidas se estes cards sequer serão jogáveis dentro do Metagame competitivo do formato.
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A falta de empolgação com esses cards tem dois motivos claros:
- Nenhum deles acompanha a velocidade e eficiência dos demais cards do Standard hoje.
- O nível de poder de Magic aumentou nos últimos anos, inclusive no Standard.
A situação do Standard evita que muitos cards tenham chances de brilhar
Se olharmos para o Metagame de Tarkir: Dragonstorm, vemos um ambiente rápido e eficiente demais para “cards mais justos” como Buster Sword ou até Dark Confidant porque esses requerem um turno a mais ou mana demais para funcionar.
No mesmo tempo em que você está conjurando Buster Sword e pagando a mais para equipá-lo na esperança de causar dano ao jogador, é provável que o Izzet Prowess — melhor deck do formato hoje — já tenha muitas criaturas na mesa entre Cori-Steel Cutter e Stormchaser’s Talent, ou já adiantou tanto seu plano de jogo ao ponto de que está recuperando seus recursos com Stock Up e o segundo nível do talento.
Nesse mesmo cenário, Buster Sword também não se compara com conjurar Abuelo’s Awakening para Omniscience, ou estar desvirando com Abhorrent Oculus e tampouco desencadear um Up the Beanstalk ao jogar Overlord of the Hauntwoods] que, no turno seguinte, atacará como um 5/5 com Lifelink e Hexproof ao ativarmos Zur, Eternal Schemer — todos os cenários acima representam alguns dos decks mais jogados do Regional Championship de Hartford, ocorrido entre 16 e 18 de maio.

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Dark Confidant tem o mesmo problema, e mais um pouco: ele é absurdo ao lado de cards com valor de mana baixo, mas nem nos Midranges mais justos ele pode encontrar espaço ao lado de Kaito, Bane of Nightmares com Floodpits Drowner e Enduring Curiosity ou Unholy Annex com Archfiend of the Dross. Por infelicidade das circunstâncias, ele não joga junto desses cards porque revelar algo de custo quatro ou maior num ambiente tão agressivo significa uma derrota rápida, e a maioria dessas listas utiliza muitos cards com esse valor de mana.
Além disso, o Standard hoje é rápido e sinérgico demais para cards com nível de poder individual lento. Mesmo que Cloud, Midgar Mercenary fosse, linha por linha, uma Stoneforge Mystic, não temos Batterskull, Sword of Feast and Famine ou Kaldra Compleat para justificar usá-lo no lugar de cards mais rápidos, e até se estivermos usando-o para buscar Cori-Steel Cutter, ainda estamos fazendo algo pior do que outros decks do atual Metagame.

Exceto se for em um deck visando extrair o máximo de Cloud, é provável que optaríamos por Cori-Steel Cutter antes de Buster Sword ou de Sword of Forge and Frontier na lista, meramente porque Cutter gera valor mesmo quando não está equipado e não requer investimento extra de mana para se tornar uma ameaça na mesa e ditar a partida, diferente da maioria dos equipamentos.
Pode ser que Cori-Steel Cutter seja um pouco bom demais para o Standard — os números do Izzet Prowess apontam para esse sentido — e pode ser que Monstrous Rage, notoriamente mais eficiente em mana do que tentar conjurar e equipar qualquer artefato, também esteja na mesma situação.
Além deles, temos a interação de Abhorrent Oculus com Helping Hand, ou Zur, Eternal Schemer com os Overlords, Sunpearl Kirin e Nurturing Pixie com ETBs eficientes e power plays como Kaito, Bane of Nightmares, ou apenas a base de camundongos com Manifold Mouse e pumps baratos. Todos demonstram que cards outrora absurdamente fortes arriscam ser irrelevantes hoje, como aconteceu com Liliana of the Veil.

Liliana já foi a segunda melhor Planeswalker de todos os tempos e durante muitos anos foi uma peça central dos Midranges do Modern, por vezes criando até arquétipos em torno dela com The Rack. Quando foi relançada em Dominaria United, seu impacto no competitivo foi relativamente pequeno. Sim, ela apareceu em algumas listas no maindeck, depois foi para o Sideboard e hoje é um talvez para esses Midranges pretos onde, antes, ela era um pilar definidor.
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Dark Confidant pode seguir o mesmo caminho. Sim, também é possível reduzir os valores de mana para comportá-lo ao invés de Unholy Annex ou Kaito, Bane of Nightmares e Enduring Curiosity, mas este ainda estaria fazendo algo pior por estar perdendo vida em um Metagame notoriamente Aggro? Existem circunstâncias e base no Standard e no Pioneer para ele ser uma carta de maindeck?
É provável, neste momento, que não. E Bob, como era chamado, tenha se tornado obsoleto para os padrões do Magic de 2025.
O Power Creep é uma força natural
Apesar das críticas de como o power creep faz alguns efeitos e cards que marcaram história parecem fracos até para os padrões do Standard, esse evento é uma força natural dos card games e ocorreu em muitas circunstâncias.

Antes de Dark Confidant, existia Phyrexian Arena. Antes de Tarmogoyf, a condição de vitória era Spiritmonger para os Midranges e Quirion Dryad para os decks de Tempo, e antes de Thoughtseize, Duress era a melhor mágica de descarte do jogo.
Onde Psychatog era uma das melhores criaturas do formato, Tarmogoyf e outros cards tomaram o seu posto. Se Loxodon Hierarch já mereceu espaço no competitivo, ele o perdeu no momento que Kitchen Finks — irrelevante atualmente — foi lançado em Shadowmoor, e o mesmo pode ser mencionado de vários outros cards. É parte natural de qualquer jogo contínuo que peças mais fortes saiam com os anos e tornem as peças antigas obsoletas.
É possível que Bob tenha deixado de ser um power play que demanda resposta imediata quando tudo o que os demais jogadores estão fazendo também se categorizam como “power play” — ele vai ganhar o jogo se não for respondido? Provavelmente porque um draw extra por turno se empilha com facilidade, mas tudo o que seu oponente faz também ganha o jogo sob as mesmas condições. O Standard é, hoje e como tem sido há tempos, baseado em sequenciar cartas que dizem “lide com isso agora, ou perca o jogo na volta”.
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Não é que não exista sinergia ou interação, mas que existe muito valor individual em cada card ao ponto de dificultar que as respostas os coloquem em cheque, enquanto deixar a maioria deles na mesa anula qualquer progresso que um jogador tenha feito na partida. Dark Confidant faz o mesmo, mas ele importa quando tudo oferece o mesmo impacto no jogo que desvirar com ele costumava ter.
Universes Beyond vai fazer diferença nessa equação?
Quando anunciaram que três sets de Universes Beyond estariam no Standard, havia algumas possibilidades de como elas poderiam impactar o formato e quais mudanças elas trariam.
Inicialmente, imaginei que, por ter um preço de produto premium e pela proposta de fazer, através deles, o Standard se tornar mais convidativo para os fãs dessas marcas que conhecem o Magic a partir delas, que sets como Final Fantasy ou Spider-Man puxariam o nível de poder do formato — que já é naturalmente alto — um pouco mais para cima. Algo aos moldes de Lord of the Rings, mas sem as powerhouses óbvias como Orcish Bowmasters e The One Ring.
Estamos no meio da temporada de prévias de Final Fantasy no momento em que escrevo este artigo, e a sensação do set até agora é dele estar “a par” do que vimos com Aetherdrift e Tarkir: Dragonstorm. Sim, há algumas potenciais staples como os cards mencionados acima além de Vivi Ornitier como um “construa seu próprio Storm” e Sephiroth, Fabled SOLDIER como a primeira criatura a criar um Emblema, mas no escopo geral, FF está muito bem-equilibrado em comparação com o que vimos com os lançamentos deste ano.
Esse é um ótimo sinal para a saúde do Standard, mas traz consigo um problema: a pessoa que chegará no FNM da loja local para jogar Standard após conhecer Magic através dessas marcas vai ter espaço? Um dos maiores problemas com Lord of the Rings foi ter sido diretamente inserido no Modern pelo mesmo motivo: de que adianta Aragorn, the Uniter ter quatro cores e uma habilidade poderosa quando ele nem sequer se compara com Ragavan, Nimble Pilferer num ambiente de nível de poder mais alto?
Sim, a expansão teve uma dúzia de cartas que viam e ainda veem jogo no formato: The One Ring foi banido, Flame of Anor continua presente, Delighted Halfling e Orcish Bowmasters são staples e Stern Scolding é uma peça de Sideboard importante, mas o resto de Lord of the Rings nem sequer tem chances de se mesclar com o resto do Modern. Se a maioria delas tivesse saído para o Standard, é provável que teríamos peças como Flowering of the White Tree e Samwise the Stouthearted jogando ao lado de Thalia, Guardian of Thraben na temporada passada e no Pioneer.
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A primeira metade de Final Fantasy dá sinais de que ela e futuros sets de Universes Beyond enfrentarão o mesmo problema, apesar da mudança de legalidade. É natural que apenas uma dúzia de cards de cada expansão tenha viabilidade competitiva, sempre funcionou e funcionará assim em qualquer jogo.
O problema é que as cartas mais poderosas reveladas até o momento não parecem nem chegar perto do que estamos fazendo no Standard hoje, e nem sequer ter a chance de aproveitar esses cards tão cobiçados pela base de fãs em um torneio de FNM vai certamente alienar esse público para longe das mesas competitivas e direto para o Commander, resultando em mais um golpe no projeto de revitalização do Standard.
Talvez, não tenha de ser assim para sempre: uma das vantagens da rotação de três anos é que Sephiroth ou Aang terão esse período inteiro para fazer diferença e ganhar sinergias e interações com cada nova expansão que sair. Mas essa mesma rotação de três anos é a causadora de parte dos sintomas que afastam estes cards das mesas competitivas — sem intervenções diretas, cards como Cori-Steel Cutter ou Up the Beanstalk continuarão permeando o competitivo e criando decks em torno deles, enquanto invalidam uma dúzia de outras opções. Os três anos de Final Fantasy também são os três anos de Tarkir: Dragonstorm.
Não estou advogando que devemos banir cards para FF ou qualquer expansão de Universes Beyond ser mais relevante. Pelo contrário: a existência desse público não deve interferir na maneira como Magic é jogado nas mesas competitivas, mas enquanto houver uma pool de cartas que invalida a possibilidade de jogar com elas por pura velocidade — Izzet Prowess, Red Mice — ou por anti-jogo — Azorius Omniscience, Domain Overlords —, o Standard não será convidativo para esse público, e o formato precisa servir como a principal porta de entrada para os torneios de Magic, o principal meio de renovar o público do cenário competitivo.
Como consertar a discrepância de nível de poder?
A melhor opção pode ser não consertar.
Power creep é uma força natural do Magic e não é benéfico para a integridade do jogo que mais regras sejam subvertidas para tornar do Standard mais convidativo para montar decks em torno do Cloud ou do Peter Parker — não há intervenção direta que manteria essas mudanças viáveis no longo prazo, e bastariam duas ou três edições a mais para esses cards serem potencialmente invalidados novamente. Portanto, é melhor deixar que o Standard se resolva de maneira natural.Não significa que não precisamos de banimentos ou intervenções da Wizards para gerir o formato. Os números do Izzet Prowess hoje falam muito sobre a saúde do formato e o período do teste de fogo dele está passando. Se Final Fantasy não mudar a posição do atual melhor deck, é provável que o próximo anúncio de Banidas e Restritas retire o equipamento do formato, e talvez uma dúzia de outros cards discutidos no passado como Heartfire Hero / Monstrous Rage e Up the Beanstalk para criar um ambiente fresco conforme nos aproximamos da rotação que também retirará Zur, Eternal Schemer, Pain Lands e uma dúzia de outros cards-chave do Metagame.
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Manter os banimentos no mínimo é bom para a integridade do investimento no Standard, mas prejudica a performance geral do formato. Por conta da quantidade de partidas que ocorrem diariamente no Magic Arena, o formato ficou muito mais fácil de resolver, e se um deck for o melhor, ele permanecerá sendo o melhor por muito tempo.
Banimentos anuais como manutenção ajudam, sim, a tornar o período de rotação mais interessante e convidativo, mas talvez não seja o suficiente para o resto do ano. Teria um banimento em Monstrous Rage há cinco meses resolvido algum problema que enfrentamos hoje? Provavelmente não, porque o Izzet Prowess não depende tanto do card para operar, da mesma maneira que o principal arquétipo de Up the Beanstalk não está tão em alta no Metagame hoje.
Por outro lado, ver cards como Dark Confidant serem revelados e recebidos com ceticismo é tanto um sinal dos tempos quanto também uma notória consequência do tipo de Standard que estamos vivendo — onde uma das criaturas mais poderosas da história do Magic em outros tempos não tem sequer espaço para abrir muitos debates em torno de como extrair o máximo dele após o lançamento de Final Fantasy.
Apesar de este ser um movimento natural do power creep, talvez também indique um sinal de que alguma coisa precisa mudar na maneira como a Wizards of the Coast está gerenciando o Standard e o Pioneer.
Talvez, eu esteja errado e as primeiras semanas pós-lançamento coloque o Bob de volta aos holofotes competitivos como um dos pilares do Standard ao lado de uma base de Midrange barata e eficiente que oferece algumas vantagens quando comparado com as versões atuais, ou talvez ele seja uma peça importante para decks Aggro que hoje não sucedem pela falta de fôlego — ou, talvez, os tempos de ouro dele tenham realmente passado, e ele veja tanto jogo quanto Caustic Bronco ou as demais variantes dele que existiram durante anos no formato porque “Dark Confidant é forte demais para o Standard”.
Obrigado pela leitura.
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