Minha primeira experiência em um torneio de Legacy foi em 2018. Na época, jogava Modern com o Grixis Death’s Shadow, e parte dos jogadores do formato na minha loja local também participavam de um torneio independente de Legacy, o Alpha Legacy, e portar um deck que já usava a estrutura de uma lista de Delver of Secrets e não precisava de Underground Sea foi motivo o suficiente para jogar com o arquétipo, que me levou à segunda colocação do torneio.
Desde então, joguei Legacy algumas outras vezes, mas me afastei do formato após a pandemia, até que recebi um convite para jogar uma edição especial do mesmo evento e da mesma organização do evento em que participei do meu primeiro torneio do formato. Ocorreu durante a nossa entrevista: a organização do Alpha Legacy convidou a equipe da Cards Realm para participar da edição comemorativa, o Monster Alpha, em 10 de maio.
A história do Alpha Legacy se encaixa perfeitamente com o que o formato Legacy representa: resiliência. O evento do Rio de Janeiro foi o único da leva de torneios de organizações independentes da cidade que sobreviveu ao teste do tempo e à pandemia. Outros torneios, como o Mhysteria Modern e o Pauper Masters — este organizado por mim, Heitor Pietre e Leonardo Luiz — não conseguiram acompanhar as mudanças e dificuldades que a mescla de power creep e isolamento social trouxeram. O Legacy carioca, no entanto, resistiu.
Muito dos porquês do Legacy ter resistido enquanto outros formatos precisaram de novas organizações independentes deve-se à natureza da base de jogadores do formato que se manteve unida: ao chegar no evento no último sábado, a quantidade de rostos familiares e pessoas que conhecia de torneios que frequentei há seis ou mais anos era imensa. Alguns ainda jogavam com o mesmo arquétipo, enquanto outros também estavam retornando naquele torneio.

Há alguma beleza nisso. Tanto na dedicação em torno de arquétipos específicos — eu não teria feito diferente com Death’s Shadow sob outras circunstâncias — quanto no senso de comunidade que existe em ter um público sempre frequentando os torneios. Por outro lado, fica também aquele sentimento de que o Legacy não diminuiu, mas também não cresceu: ele permanece exatamente onde está.
Ad
Um comparativo comum aqui no Brasil é no comportamento da comunidade de Legacy com a comunidade de Flesh and Blood. Ambos os públicos sabem que seus jogos/formatos são caros, e por isso, tendem a estar dispostos a ajudar outros jogadores a experimentarem o jogo e participar dos eventos — isso é especialmente importante no Brasil por conta dos fatores econômicos e da moeda desvalorizada que tem tornado de TCGs importados gradualmente mais caros e de difícil acesso a cada ano.
Foi essa atenção com quem não está inserido no formato que me levou até o evento: entra Ramon, criador de conteúdo de Legacy e Premodern e o outro entrevistado do programa para falar sobre o formato no Brasil. Ramon foi quem buscou os cards e disponibilizou um deck para que eu pudesse jogar. Não qualquer deck: um Izzet Tempo assim que comentei com ele que estava acostumado a jogar com Delver of Secrets nos tempos de pré-pandemia.
A lista tinha tudo o que se esperava: um set completo de duais que me fizeram pensar mais de dez vezes se eu estava embaralhando com muita força quando estourava uma Fetch Land, um set completo da nova Cori-Steel Cutter, Force of Will, e um Sideboard robusto para um Metagame amplo que, honestamente, não cobriria todas as frentes nem se houvessem 20 cartas nele — o cenário do Legacy no presencial difere bastante de região para região, e enquanto listas como Merfolks e Death & Taxes não andam nos Top Tiers do formato hoje, eles eram bem populares no torneio, sem contar uma dúzia de outros arquétipos que observei e nunca imaginei encontrar em uma mesa do formato: numa delas, o jogador estava de Zombies, e um Orzhov Humans fez Top 16.

O torneio contou com 105 jogadores, sete rodadas e sem corte para Top 8. Meu resultado foi 2-3 e um drop quando concluí que não chegaria até o Top 16. As partidas foram Death & Taxes (0-2), Mono Black Midrange (2-0), Merfolks (2-1), Death & Taxes (1-2) e Sneak & Show (1-2), e uma dúzia de fatores influenciou os resultados: a falta de experiência com o deck — não treinei nem sequer uma partida no MTGO antes do torneio —, um Sideboard pouco preparado para lidar com Death & Taxes, e uma ou duas misplays horrendas contra Sneak & Show para selar meu destino na partida.

Mas o que realmente importa nessa experiência? Eu me diverti.
Ad
Legacy é o ápice do nível de poder do Magic, o power play que estamos tão acostumados a ver no Standard, Pioneer ou até no Pauper hoje em dia é facilmente respondido pela ampla disponibilidade de respostas baratas e eficientes do formato, inclusive com as free spells como Force of Will que ditam a eficácia de mana do Metagame, e juntar as peças do que eu estava acostumado a fazer com Death’s Shadow somado com o que os novos cards e o power creep fizeram proporcionaram um misto de nostalgia com algo fresco que eu não presenciava há algum tempo jogando Magic.
Decklists do Top 16
Enquanto não temos dados do Metagame completo, a diversidade de estratégias que permeou o torneio também foi representada pelo Top 16, com 14 arquétipos diferentes distribuídos entre Aggro, Control, Combo e Tempo.
Thiago Kajiyama - Izzet Delver
Gabriel Braga - OmniTell
Enquanto Mistrise Village parecia uma adição certa no Legacy, me surpreende que Auroral Procession também tenha encontrado. Parece que um Regrowth que também é pitch de Forces é o suficiente para merecer alguns slots no formato.
Ad
Eduardo Leite do Santos - Mono Red Painter
Welldace dos Santos - Orzhov Humans
Essa lista de Orzhov Humans foi a mais surpreendente do evento. Seu custo em comparação com os demais arquétipos do Legacy é notoriamente barato (Scrubland é a única carta da Lista Reservada) e ele utiliza uma estratégia objetiva que funciona em outros formatos também, operando quase como a variante do deck do Pioneer, mas com a inclusão de Mother of Runes, Aether Vial e Esper Sentinel.
Gleivid Nunes - Nadu Breakfast
Os rumores de que Nadu, Winged Wisdom possui resultados mais expressivos nos torneios presenciais ainda carecem de amostragens mais abrangentes, mas um dos maiores erros de design da história recente de Magic esteve presente no Top 16.
Ad
André Felipe Boschetti - Jund Midrange
Os tempos de Tarmogoyf e Bloodbraid Elf se foram há anos, mas uma boa parcela do Jund Midrange ainda é composta de cards que veríamos em listas pré-Horizons, como Abrupt Decay e Thoughtseize.
Bernardo Gibran - Grixis Midrange
Em pensar que Kaito, Bane of Nightmares chegaria tão longe ao ponto de ser uma condição de vitória no Legacy. Aparentemente, um Planeswalker que desvia de Force of Will e oferece o pacote completo de condição de vitória, remoção temporária e vantagem em cartas está no nível de poder certo para formatos eternos.
Julio Junior - Merfolks
Ad
Houve uma época distante em que Merfolks era o melhor deck do formato. Hoje, o arquétipo permanece como uma das melhores portas de entrada para o Legacy — e uma com resultados comprovados em torneios, nas mãos de jogadores habilidosos.
Guilherme Ferreira - Mono Black Reanimator
Victor Cabral - Infect
Quando foi a última vez que vimos o Infect fazer Top 8 em um Challenge ou outro torneio maior de Legacy?
Daniel Saléh - Temur Delver
Ad
Não dá para ir mal com um dos decks mais bem-estabelecidos da história do formato. O Temur Delver mudou bastante desde a época do famoso Canadian Threshold, mas ainda tem todas as ferramentas para servir de regulador do formato — me surpreende que todas as listas de Tempo que chegaram ao Top 16 optaram por não usar Cori-Steel Cutter.
Gustavo Penelas - Dimir Reanimator
Mesclar o plano de Tempo com Reanimate e payoffs ainda é uma opção para o Legacy após os banimentos. Talvez, após tantas controvérsias envolvendo Psychic Frog, Grief e Troll of Khazad-dûm, o Dimir Reanimator tenha finalmente ficado em uma posição de deck justo para o Metagame.
Joaquim Damasceno - Eldrazi Stompy
Arthur Bisbocci - Lands
Ad
Felipe Lyra - Orzhov Blink
Igor Silva - Mystic Forge
Concluindo
A experiência de jogar o Monster Alpha não conta pelo resultado. Minha escolha foi jogar de maneira despretensiosa e sem a pressão de querer ganhar, e eu sabia que os anos afastado do formato e a pouca prática com a minha lista não geraria frutos ao ponto de querer me estressar com um Top 8, mas de aproveitar um torneio de Magic com muitos jogadores como não aproveitei durante os últimos anos.
A comunidade, seja com o convite para jogar, ou com o deck emprestado, ou pelo clima geral das mesas (apesar de algumas piadas datadas que poderiam ser evitadas), fez muito por onde me sentir bem-vindo a jogar um formato que se mantém forte e competitivo por essa mesma comunidade que o cultiva, seja no Rio de Janeiro, em Brasília, ou em qualquer outra região do mundo — e ela deve permanecer firme enquanto os jogadores manterem-se unidos em fazê-lo florescer.
Existe uma beleza em um formato como o Legacy que só encontramos lá. E apesar das portas de entrada do formato serem bem restritivas, talvez tenha uma comunidade ao seu redor disposta a ajudar e ter mais uma pessoa frequentando os eventos, ou pessoas que podem indicar os pontos de partida para começar a construir sua lista aos poucos, ou até alguém que possa, com você, iniciar uma comunidade na sua região.
Ad
Com o clima de mudanças constantes que temos vivido com Magic nos últimos anos, o Gathering tem sido a parte mais importante do jogo. E pelo menos no Legacy Brasileiro, o Gathering permanece vivo.
Obrigado pela leitura!
— Comentários
0Seja o primeiro a comentar