Magic: the Gathering

Opinião

Será o fim de Magic: The Gathering no Brasil e na América Latina?

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O desligamento da equipe brasileira e latina de marketing da Wizards não é o apocalipse, mas abre mais um precedente na conturbada relação entre a empresa e a América Latina, e somos todos culpados nessa história.

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revisado por Tabata Marques

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Na última terça-feira, a ex-Community Manager da Wizards of the Coast, Carolina Moraes, postou em seu Twitter que, junto do restante da equipe da América Latina, havia sido desligada como parte do projeto de reformas da empresa. O anúncio reverberou pelas redes sociais e levantou dúvidas sobre o futuro de Magic na América Latina.

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Neste artigo, abordaremos o que o fim das relações digitais da Wizards com o Brasil e a América Latina significam para o jogo.

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No entanto, não nos cabe avaliar ou criticar o desempenho da Carolina enquanto community manager, dado que cada profissional sabe exatamente onde estão suas limitações quanto ao seu empregador, além de tomar um curso de ação com base nas expectativas e demandas da empresa. Não cabe a mim, nem à Cards Realm, apontar acertos e erros decorridos nos anos em que a comunicadora esteve nesta função.

O que é uma Community Manager?

O primeiro ponto que devemos adereçar é que poucas pessoas têm uma compreensão genuína do que uma Community Manager faz, então vamos esclarecer este ponto para darmos prosseguimento ao artigo.

Community Manager é um(a) profissional da área de comunicação que gerencia o relacionamento on-line de uma empresa ou marca para com o seu público-alvo através de um vínculo estável com clientes, fãs e usuários. Sua principal função é a de manter o nome da marca engajada o suficiente para que ela se mantenha relevante no seu nicho através da interação nas redes, publicidade e outros conteúdos que contenham relevância tanto para o público fidelizado quanto para novos clientes.

Em resumo, é possível afirmar que o Community Manager são as "relações-públicas" daquela marca ou empresa dentro do universo digital e possuem como principal recurso o engajamento on-line de seus fãs e usuários para garantir que aquele produto esteja sempre 'em alta' através da interação.

Os Precedentes

Magic vem sofrendo algumas mudanças significativas nos últimos anos, e alguns exemplos incluem a quantidade incessante de produtos lançados, o fim da Pro League, e o retorno do Pro Tour, mas também passam por outros pontos como o fim do lançamento de produtos em línguas como Russo, Coreano e Chinês Tradicional em Julho de 2022, além de algumas mudanças e restrições nas línguas de produtos específicos para o inglês.

O que levanta a principal das preocupações da comunidade com o fim do setor Latino Americano de comunicação:

O Magic deixará de ser publicado em português brasileiro?

Para essa pergunta, a resposta mais clara no momento seria ainda não. Magic é um jogo, mas também se trata de um produto da Hasbro a ser vendido e a empresa demonstra isso toda semana com uma novidade diferente, como a colaboração com a Lovesaclink outside website.

Portanto, a prioridade em imprimir cards em um determinado idioma varia conforme a demanda por aquele produto, o que significa que, sim, Magic pode deixar de ser impresso em português caso a Wizards/Hasbro não considere seu processo de impressão como lucrativo.

Hoje, é mais possível que determinadas linhas de produtos deixem de ser impressas em português do que um apagão completo do idioma no card game. No entanto, considerar essa possibilidade como uma relação de causa e efeito com a demissão da equipe brasileira de marketing é um erro e uma má interpretação do papel que essa função representa para uma empresa, dado que há produtos estrangeiros que não possuem uma interatividade nas redes sociais dedicadas exclusivamente a países ou regiões e, ainda assim, conseguem manter seus produtos em suas respectivas línguas via distribuidoras.

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Se essa demissão demonstra algo, é que a Wizards não vê a necessidade de gerenciar a comunidade Latino-Americana e/ou a necessidade de manter um engajamento descentralizado em torno de públicos específicos.

O que perdemos sem uma Community Manager?

Além de um conteúdo e engajamento completamente voltado para o público Latino-Americano? Perdemos alcance.

Apesar de algumas falhas, não podemos afirmar que o trabalho de criar um conteúdo integralmente voltado para o nosso público foi em vão: disponibilizar mais informações, curiosidades e mídia significou abir oportunidades de diversas pessoas conhecerem Magic: The Gathering sem que alguém precisasse especificamente ir até elas e apresentar o jogo, enquanto facilitava a imersão desse novo cliente em potencial no universo da franquia.

Um exemplo do trabalho de marketing de Magic voltado inteiramente ao público brasileiro foi esse comercial com nomes conhecidos do nosso imaginário popular, como o youtuber Cauê Moura, o músico Lucas Silveira da banda Fresno, a streamer Pri Vitalino e o ex-jogador e agora comentarista esportivo Craque Neto jogando uma partida.

Comerciais como esse quebram barreiras e aumentam o alcance de clientes em potencial do jogo, além de agregar um conteúdo para manter o seu público engajado.

Com a ausência de um gerenciamento local, a possibilidade de termos conteúdos dedicados ao consumidor brasileiro diminui e é provável que a conclusão natural da Hasbro/Wizards é, novamente, de que os custos não compensavam o investimento, e há um motivo um tanto óbvio para seguir este raciocínio hoje:

Magic se vende por conta própria

Magic existe faz 30 anos e consagrou-se como o maior card game colecionável da história. Durante esse tempo, o mundo mudou drasticamente e hoje vivemos numa realidade globalizada e cuja principal método de comunicação uníssona é também o mesmo onde há uma cacofonia dela, as mídias sociais.

Mas por existir durante tanto tempo e manter um público majoritariamente fidelizado, Magic conseguiu estabelecer seu próprio ecossistema alimentado por oferta e demanda dos seus respectivos pedaços de papelão dentro de pacotinhos sortidos, do qual um mercado secundário fortíssimo foi criado pela necessidade dos consumidores de obterem os cards desejados para competir em torneios e/ou jogar em formatos casuais com seus amigos - e a quantia de dinheiro movimentada por esses pequenos pedaços de papelão no mundo diariamente não é pequena, logo, para Magic parar de vender, esse ecossistema precisaria definhar - e apesar das muitas tentativas da Hasbro de implodir a saúde de longo prazo do jogo, como apontado pelo Bank of America pelo segundo trimestre consecutivolink outside website, esse ecossistema segue apresentando pouco ou nenhum sinal de crise em escala global.

Isso significa que, pelo desejo de jogar e competir, jogadores continuarão comprando cards e, enquanto eles continuarem comprando, haverão lojas e distribuidoras dispostas a suprir a demanda deles, e enquanto essas existirem, Magic conseguirá se vender quase que por conta própria porque o ecossistema econômico ao redor do jogo foi estabelecido durante trinta anos e continua rodando perfeitamente, e com ou sem Community Manager, o público Latino-Americano engajado no jogo continuará comprando cartas, decks e outros produtos relacionados.

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Logo, para quê investir dinheiro em criar engajamento e publicidade para uma região específica quando se pode economizar centralizando estes recursos em uma única via global de comunicação numa língua da qual o público cativo já está acostumado o suficiente e/ou quando as próprias redes sociais oferecem recursos de tradução automática?

Até os brasileiros já engajavam com maior frequência aos conteúdos da nave-mãe do que do perfil em português, devido a alta velocidade com a qual a informação é passada em redes como Twitter ou o Instagram. Bastam segundos e um ou outro follow aqui, ou ali, de nomes bem influentes e você já fica sabendo da última novidade antes que a própria Wizards_MagicBR agende uma postagem para a comunidade local.

A culpa também é dos criadores de conteúdo e influencers

Trabalhar com Magic é uma tarefa peculiar, pois sempre há alguma coisa acontecendo, principalmente nos tempos modernos, onde previews surgem cada vez mais cedo. E mesmo quando não há spoilers para se discutir, sempre há algum deck novo, uma tech interessante para lutar contra o Metagame de um formato, uma curiosidade sobre determinado tema, etc. E como em todo jogo e/ou produto da indústria do entretenimento, há pessoas autônomas e portais inteiramente dedicados a abordar e discutir essas informações aqui no jogo - é, inclusive, o trabalho que fazemos aqui na Cards Realm!

Para cada artigo, vídeo, stream ou até tweet que fazemos sobre Magic, estamos realizando também o serviço de disseminar informação e gerar engajamento gratuito para o jogo. E quando centenas ou milhares de pessoas fazem isso diariamente, não seriam elas uma máquina de propaganda bem mais eficiente do que uma equipe de marketing regional, além de muito mais barata, já que pouquíssimos de nós somos realmente pagos pela própria Wizards of the Coast para promover o produto deles. A verdade é que, fora um presente ou outro dado pela empresa, nem sequer sabemos se existem pessoas dedicadas ao jogo que são, de fato, pagas para promovê-lo.

É claro que cada comunicador e/ou portal tem seu objetivo em falar sobre Magic: um portal como a ChannelFireball quer garantir o sucesso do seu marketplace, um streamer ou YouTuber quer garantir a monetização dos seus vídeos para gerar renda, um portal quer cliques para aumentar o seu tráfego e/ou influência nas redes, e não há nada de errado nisso - mas precisamos reconhecer que o nosso engajamento para com o jogo é também responsável pelas decisões que a empresa toma quanto a sua comunicação oficial.

Magic se trata de impermanência, e se disseminamos a informação que a nave-mãe apresenta o mais rápido possível para garantir o nosso sucesso individual, é claro que uma empresa pode, portanto, considerar que somos uma fonte de marketing grande o suficiente que não demanda investimento ou recursos para disseminar informações e manter o nome da marca engajado. O ecossistema já se opera por conta própria.

Eles não se importam com a América Latina?

Não há uma resposta correta para essa pergunta. Uma empresa se importa com seus consumidores conforme eles lhe geram receita e lucro, e dizer que "a Wizards não se importa com os latino-americanos" agora é um tanto incoerente porque a empresa sempre mostrou dar menos de importância para a nossa região do que para a Europa ou os Estados Unidos.

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Jogar Magic, ou ter uma carreira no jogo quando ainda era possível ter uma, nunca foi uma tarefa simples e enfrentamos desafios que somente países com moedas desvalorizadas e recessão econômica encaram: preços inflacionados de cards, problemas logísticos com passagens e reservas para jogar o Pro Tour em outra região, dentre outros pontos que estão além da Wizards e da qual a empresa nunca buscou ou teve interesse em adereçar.

Até em pontos onde haviam decisões da empresa, como em sediar os Grand Prix na nossa região, havia certa discrepância em relação às outras regiões dado o tamanho da nossa. Mas, enquanto já existem diversos criadores de conteúdo afrontando a empresa quanto ao seu suposto 'abandono' ao Brasil, é impossível não recordar de que este não foi o primeiro precedente ou descaso da empresa com o nosso continente, então onde estávamos quando o Pride Across the Multiverse foi bloqueado na América Latinalink outside website sob pretextos legais incompatíveis para com as leis do nosso país? É tão mais revoltante ver o fim do gerenciamento da comunidade latino-americano do que a empresa pressupor que todos os países de uma determinada região possuem uma legislação homofóbica? Onde estávamos quando, por muito tempo, não tivemos acesso aos produtos da série Secret Lair sem que comprássemos via revendedores?

A Wizards of the Coast demonstrou precedentes de descaso com a América Latina várias vezes durante anos, e assim como creio que acontecerá com essa revolta recente, esqueceremos do ocorrido dentro de poucos dias ou semanas. Afinal, essa mudança, como as demais, não significam o fim do jogo para a nossa região.

O que podemos fazer, então?

Nada. Não importa o quão revoltante a situação pareça para alguns, ela foge das nossas mãos.

Determinados assuntos e tópicos vão além do nosso alcance, e até mesmo a mais brava das almas que propõe um boicote à empresa pelo seu abandono falha em compreender que, para tal movimento funcionar, faz-se necessário uma voz uníssona por uma causa, e no complexo ecossistema de Magic: The Gathering, essa voz nunca será uníssona - se não nos unimos nem quando tentaram nos vender quatro boosters de proxies por $1.000, não chegaremos nessa união pela demissão de uma Community Manager.

Na verdade, nessa situação, o melhor curso de ação é continuar apoiando o jogo, e principalmente as lojas locais, pois foram eles que perderam o principal resquício de relações-públicas para com a nave-mãe. Nós podemos reclamar muito no Twitter, as lojas precisam formalizar as suas reclamações e mandá-las para o setor responsável, e com a ausência de uma pessoa gerenciando esse relacionamento entre a Wizards e o lojista daquela região, suas vozes já muito baixas diante do estrondoso eco da Amazon ficará ainda menor.

Então juntem seus amigos, vão em um fim de semana ou numa tarde ou noite na sua loja favorita e/ou mais próxima, preparem seus decks, embaralhem, joguem e divirtam-se. O Magic brasileiro passou mais de duas décadas sem um gerenciamento de comunidade dedicado, e consegue sobreviver e prevalecer sem ele.

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No entanto, também nos cabe vigiar e cobrar. Afinal, esse pode até não ser o fim do Magic para o Brasil, mas é um tremendo retrocesso e abre outro precedente do descaso da empresa responsável pelo jogo para conosco e com os demais países da nossa região, e nossa voz, assim como a do resto do mundo, deve ser ouvida. Nunca se sabe o que mais eles podem repentinamente tirar de nós.

Conclusão

Isso é tudo por hoje.

Apesar do impacto que isso causa na comunidade, o fim do conteúdo oficial dedicado à América Latina não significa o fim de Magic na região. Porém, a decisão parece outra das diversas escolhas que a Wizards/Hasbro vêm tomado para maximizar os lucros e aproveitar-se da boa-fé de seus consumidores e criadores de conteúdo.

Por outro lado, Magic sobreviveu quase duas décadas no Brasil e em outros países sem uma Community Manager, e enquanto a comunidade se unir e continuar apoiando ao jogo e às lojas locais, ainda teremos os meios para construir uma comunidade longínqua onde, de preferência, conseguimos estabelecer relações saudáveis entre si.

Para a Carolina Moraes, nossos sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado a promover Magic: The Gathering para além da sua bolha. Suas atividades foram uma grande contribuição para a comunidade brasileira, e nós da equipe da Cards Realm desejamos sucesso em seus próximos projetos.

Obrigado pela leitura!