Magic: the Gathering

Competitivo

Sobre o Burnout de Magic, o Bank of America e nossa relação com o jogo

, Comment regular icon2 comments

O relatório do Bank of America evidenciou o cansaço, a frustração e a revolta que uma parcela da comunidade tem com Magic hoje, e é um bom momento para repensarmos nossa relação com o jogo.

Writer image

revisado por Tabata Marques

Edit Article

Durante esse último ano, muita coisa aconteceu no universo de Magic: The Gathering, e vários assuntos foram abordados por criadores de conteúdo e pela comunidade. Mas um deles ganhou notoriedade essa semana após um relatório da Bank of America: o excesso de produtos lançados pela Hasbro para o jogo durante o último ano.

No entanto, nem tudo é tão simples quanto a Internet faz parecer: o relatório é dúbio, o que levou à uma interpretação polarizada do seu conteúdo. Em meio a essa cacofonia de informação, nossas duas únicas certezas são de que o Burnout de produtos existe, e que talvez seja o momento de cada jogador reavaliar a sua relação com Magic.

Ad

O Burnout de produtos e o Hype perpétuo

O "Burnout" de produtos foi um assunto comum sobre o jogo nos últimos anos: a Wizards lançou, em 2022, até agora, quatro sets padrão (todos com Collector Boosters, Set Boosters, Draft Boosters, Commander Decks, e The Brothers' War também tem os JumpStart Boosters), um Un-Set, quatro sets suplementares (contando JumpStart 2022, que sai em 2 de dezembro), três produtos exclusivos para Commander (dois contendo um total de cinco decks cada), sete sets suplementares de Alchemy/Historic no Magic Arena, dois Challenger Decks, um lançamento casual (Game Night), um item especial de 30 anos, e 48 Secret Lairs, que podem chegar em 50 caso anunciem mais um Superdrop em dezembro.

Ao todo, se contarmos as diferentes categorias em cada lançamento, saíram 95 produtos diferentes em 2022, sem contarmos cosméticos como a luva da Chandra, ou os pins e outros acessórios que estiveram a venda durante o ano.

No começo do ano, pouquíssimo tempo após Kamigawa: Neon Dynasty ser lançada no tabletop, a Wizards anunciou através de suas mídias sociais que revelaria os primeiros spoilers de Streets of New Capenna durante o programa WeeklyMTG. A decisão já parecia apressada de qualquer forma, mas não só a empresa revelou os primeiros previews naquela semana, como apresentou o ciclo de cards mais importantes do novo set: os Triomas.

Loading icon

O resultado nessas mesmas mídias sociais é que o rumo dos assuntos e do debate lá deixou de ser sobre o quanto The Wandering Emperor era forte para ser sobre "teremos o ciclo fechado de triomas para jogar com as fetch lands" e/ou especulações sobre as famílias do crime de New Capenna, sobre as novas lands básicas com arte estendida, ou até se Capenna não seria uma região de Alara. Todas as redes falavam apenas dos novos spoilers. Neon Dynasty? A edição lançada fazia uma semana e talvez o lançamento padrão de maior power level de 2022? Já estava no passado!

Esse foi o modelo de marketing que a Wizards adotou o ano inteiro, e não só para os jogadores: enquanto um set estava em preorder nas lojas do mundo inteiro, elas já recebiam um e-mail na semana de lançamento com anúncios do próximo.

Um argumento comum em defesa da empresa nas redes é de que nem todo produto têm o mesmo público-alvo, e que uma pessoa que joga majoritariamente Standard não vai se interessar no set de Commander, e talvez os Challenger Decks de Pioneer não lhe encantem. Da mesma maneira, um jogador estará muito mais interessado num Set Booster do que um colecionador, que talvez prefira os Collector Boosters, com slots mais dedicados a raras e ilustrações alternativas. Apesar de coerente, esse argumento ignora o fator singles, o que a maioria dos jogadores tende a buscar nos marketplaces.

Há também a questão do Secret Lair — eles são itens de "luxo", colecionáveis, tem como público-alvo jogadores que desejam versões exclusivas de cards para seus decks ou as pessoas que realmente buscam colecionar os principais lançamentos do jogo, sem contar seu uso no marketing do jogo para atrair o público de outras franquias através do projeto Universes Beyond. Mas quando você lança uma leva deles trimestralmente, o "item de luxo" deixa de ser tão "de luxo" e perde seu propósito, deixando de parecer tão especial quando 48 deles saem em um único ano.

Ad

E no meio desse turbilhão desenfreado de novidades, existem duas categorias que não podem se dar ao luxo de escolher quais produtos são para eles e quais não são. A primeira é os lojistas, que precisam ter a maioria dos lançamentos disponíveis em seu estoque para suprir a demanda da sua região e/ou garantir o seu estoque de singles. Se você tem uma comunidade de Magic para gerenciar, você precisa ofertar as novidades e estar pronto para a busca por cards específicos para os seus clientes, são raros os momentos em que uma loja pode se dar ao luxo de dizer não para o próximo set.

Mapa de 30 anos de lançamentos em Magic — Imagem/Jacob Willson
Mapa de 30 anos de lançamentos em Magic — Imagem/Jacob Willson

A outra categoria são os criadores de conteúdo.

Para manter-se relevante e com engajamento em seu trabalho, há a necessidade de acompanhar o trem do hype e buscar sempre abordar as últimas novidades, independente da importância da edição que acabou de passar e do impacto que ele pode ter dentro do jogo.

É necessário estar atento que, daqui a algumas semanas, sairão novos cards que terão de ser analisados e ter em mente que o "atual melhor deck do formato" não será mais o melhor quando tal card que anunciaram da edição que lança daqui a 45 dias vai mudar tudo — não há mais tempo para ponderar sobre o que está acontecendo no presente e elaborar ideias em cima do hoje porque o criador de conteúdo precisa entregar o que o público quer, e a maioria do público quer é saber o que importa do que virá amanhã.

E para ambas as categorias, estar atento a todas as novidades quando elas não param é exaustivo, além de trazer a sensação que ninguém, dos jogadores ao lojista até o criador de conteúdo, está conseguindo aproveitar corretamente o produto que acabou de sair.

A controvérsia do relatório do Bank of America

A última segunda-feira foi muito longa no universo de Magic: The Gathering após o Bank of America soltar um relatório onde aponta uma queda brusca na segurança de investimento das ações da Hasbro por conta da conduta da empresa em relação ao jogo, que estaria supostamente destruindo seu valor de longo-prazo através da impressão excessiva de cards.

Resumo do relatório do Bank of America sobre a Hasbro - Imagem/CNBC
Resumo do relatório do Bank of America sobre a Hasbro - Imagem/CNBC

Uma parcela da comunidade e de influenciadores entraram em euforia. E sim, estou incluso nessa parcela, afinal, faz bastante tempo que vemos comentários sobre como a corrida desenfreada para lançar a maior quantidade de produtos no menor tempo possível prejudica a experiência de Magic por uma dúzia de motivos, mas a realidade, apontada em especial pela matérialink outside website do Rich Stein para a Hipsters of the Coast, mostra que as coisas não são simples ao ponto de que a instituição estava, de fato, concordando que lançar produtos numa janela de distância cada vez mais curta é ruim.

Ad

O verdadeiro problema no relatório é que, tanto pela forma como foi divulgada quanto pela repercussão imediata que as redes sociais demandam, cada um interpretou o que bem entendeu do que há no texto porque ele aponta para todos os lados, e todos enfatizaram convenientemente os pontos que melhor se encaixavam em seu viés de confirmação.

Sim, ele diz que um dos problemas envolvendo o jogo hoje é que a Hasbro está buscando capitalizar em cima do acréscimo de demanda ofertando mais produtos numa janela de lançamentos mais curtas em busca de ganhos de curto-prazo sem se importar em como isso prejudica a marca no longo prazo, e que há jogadores que não conseguem acompanhar todos os lançamentos e estão optando por formatos onde cartas mais antigas estão disponíveis. E ele também aborda a preocupação sobre reprints diminuírem o valor de determinados cards no mercado secundário, afinal o jogo é também um aquisitivo colecionável, e há menos motivos para tratar Magic como um investimento hoje do que havia no mundo pré-pandemia. Mas diferente do que fazem parecer, um ponto do relatório não anula o outro.

Rich Stein apresentou alguns bons contra-argumentos em relação ao que muitos interpretaram da análise de Jason Haas para o Bank of America e esclareceu alguns pontos dos detalhes do relatório. No entanto, ele encerra o artigo com a seguinte afirmação:

“O autor do relatório está apostando nos investidores, e a Wizards parece estar apostando nos jogadores.”

- Rich Stein

Enquanto é notório que Jason Haas olha para o jogo com a perspectiva e ambição de um investidor e acionista, a ideia binária de que a Wizards está "no lado certo da história" porque o que investidores querem não é uma causa nobre é ignorar a dura realidade de que a Hasbro é uma empresa, e Magic: the Gathering é um produto a ser vendido, e ele nunca foi tão comercial quanto é hoje.

Sim, a Wizards investe nos jogadores, afinal são eles que consomem cada novo lançamento, e sua oferta nos últimos anos tem sido tão incessante que alguns enxergam como uma exploração de alguns dos piores sintomas que um jogo pode ter na mente de um ser humano, como ludomania e FoMO (o medo de ficar de fora das novidades). Se essa é a imagem que a empresa passa quando anuncia uma nova edição, deck promocional, ou edição comemorativa de mil dólares, não há como afirmar que ela está investindo numa relação mutuamente benéfica e saudável com a sua base fidelizada.

Não importa se concordamos com a perspectiva do Jason Haas, ou com o artigo do Rich Stein, ou ambos, com ou sem o relatório do Bank of America, há algo de errado com o gerenciamento de Magic: The Gathering hoje, e é provável que esse relatório tenha alguma repercussão na Hasbro para a janela de lançamentos de 2024, seja ela um decréscimo na quantidade de lançamentos por ano, ou na quantia de reprints presentes neles. Ou talvez ambos, ou nenhum deles.

É a hora de reavaliarmos nossa relação com Magic

Esse é o último ponto pertinente para adereçarmos hoje, e onde também precisarei deixar o texto mais pessoal. O jogo mudou, e diante de um momento tão crucial para sua história, é a melhor oportunidade que temos para avaliarmos o quão saudável a nossa relação com Magic é.

Ad

Minha convivência com o jogo melhorou muito na era pós-criação de conteúdo, a partir de 2020, porque me permitiu me distanciar dos "vícios" de um jogador para observar os fatos, lançamentos e outros elementos com um olhar mais crítico, e a consequência de acostumar-se com uma percepção mais distanciada é precisar abdicar de muitas das suas convicções.

Talvez, como um jogador, eu já teria desistido de Magic por não conseguir acompanhar cada novo lançamento, ou talvez eu não aceitaria tão bem a série Universes Beyond. Talvez eu também odiasse o Alchemy enquanto formato como uma parcela gigantesca nas mídias sociais odeia e, talvez, já tivesse deixado o jogo de lado por, com base nessas ditas convicções, pensar que Magic se tornou uma "palhaçada". Infelizmente, há esse mal recorrente em Magic de acharem que todo produto precisa ser feito e construído para agradar aos seus gostos pessoais, desconsiderando o "macro" das situações.

Mas "olhar as coisas com distanciamento" abre espaço para ponderar sobre o que acontece antes de abrir o Twitter e comentar algo relacionado a próxima grande coisa — e é claro que poderíamos discutir sobre como as mídias sociais nos tornaram mais imediatistas e agressivos, mas vamos nos ater ao assunto principal — e isso passa por aceitar a realidade antes de falar sobre ela. Afinal, se as nossas vontades sobrepõem os fatos, então estaremos buscando qualquer desculpa para confirmarmos aquilo que desejamos acreditar o tempo todo, o que nos impede de ter discussões tangíveis sobre os problemas que realmente importam.

Loading icon

É inegável que Magic está mudando, e não vai parar. Para o bem ou para o mal, a Hasbro ampliou o escopo de quais públicos o jogo quer captar, e é natural que nem toda mudança pareça agradável. Mas somos pequenos, minúsculos, cada um de nós é um grão de areia na enorme comunidade que joga e consome o produto oferecido por eles. Podemos ser vocais, criticar, compartilharmos nossos desgostos e anseios sobre o futuro, mas, no final, não somos nós que tomamos as decisões.

Então, esse é um momento que podemos reavaliar a nossa relação com Magic: The Gathering. Talvez, para uma parcela da comunidade, esse pode ser o momento de dar adeus ao jogo, de entender que os seus interesses não batem com o da empresa por trás da produção dele e não há nada de errado em buscar novos entretenimentos menos mentalmente desgastantes ou decepcionantes do que Magic, por ele não ser como essas pessoas gostariam que fosse.

No fim, a nossa relação com Magic enquanto cultura, marca e principalmente hobby precisa ser saudável, e cabe a cada um de nós, em nosso âmbito pessoal, avaliar se ainda está sendo proveitoso manter-se num jogo enquanto ele toma rumos que uma parcela considera ruim. Nós não estamos acorrentados a ele, e olha, tem muita coisa fascinante acontecendo no mundo lá fora.

Então, a pergunta que deixo para o fim desse artigo, e uma que não deve ser respondida a mim, mas no seu interior, é: Você ainda está se divertindo com Magic?

Ad

Conclusão

O Magic continua a mudar, e o relatório do Bank of America é apenas mais um passo num tópico controverso que permeia assuntos relacionados ao jogo desde pouco antes da pandemia. A sensação já era estranha quando anunciaram a primeira leva do Secret Lair, e apenas se solidificou com os últimos anos. Também já está claro que ele nunca mais será o mesmo, e se não gostamos do rumo que as coisas vêm tomando, talvez a melhor escolha seja encerrar essa relação.

Na próxima semana, estarei de férias. Retorno no começo de dezembro para a temporada de retrospectivas, e também trarei conteúdo de outros temas e jogos. Caso JumpStart 2022 traga boas novidades para o Pauper, vocês podem esperar por um review da coleção para o formato.

Obrigado pela leitura!