Magic: the Gathering

Opinião

Standard: A Revitalização é um bom começo, mas não resolve tudo

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A expansão da legalidade das edições do Standard é uma mudança excelente para o formato, mas ainda não será o suficiente para torná-lo mais popular nos eventos presenciais.

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revisado por Tabata Marques

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Durante a transmissão do Top 8 do Pro Tour March of the Machine, a Wizards of the Coast fez o anúncio da primeira em uma série de mudanças para o Standard, visando aumentar a popularidade do formato em jogos presenciais: A rotação do formato não acontecerá esse ano, mas em 2024.

Começando nesta temporada, todas as edições terão uma longevidade de três anos no formato Standard. Ou seja, nenhuma delas deixarão de ser válidas quando Wilds of Eldraine for lançada. Quando a rotação ocorrer, no próximo ano, apenas Innistrad: Midnight Hunt, Innistrad: Crimson Vow, Kamigawa: Neon Dynasty e Streets of New Capenna deixarão o formato, enquanto as edições posteriores permanecerão válidas até 2025.

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Essa mudança é uma das maiores que o Standard sofreu em anos, e neste artigo, vamos abordar seu impacto e se ela possui, de fato, o potencial de revitalizar o formato em eventos presenciais.

Formatos Rotativos vs. Formatos Não-Rotativos

A rotação é um problema histórico do Standard quando falamos sobre a economia do jogo. Desde que comecei em Magic, era comum a afirmação de que, por se tratar de um formato rotativo, o Standard não era financeiramente recompensador para jogadores a menos que eles fossem muito engajados no cenário competitivo, dado que não só as cartas rotacionavam, como toda nova edição traziam cards que impactavam o Metagame e, inclusive, poderiam inviabilizar o seu deck.

Por outro lado, o principal motivo para se jogar Standard era justamente que ele era "O principal meio de adentrar ao ambiente competitivo do jogo". Você queria jogar um Grand Prix? Provavelmente seria um de Standard. Você queria participar dos Pro Tour Qualifiers? Eram quase sempre no formato Standard. Você queria uma promo maneira de Friday Night Magic? Os torneios eram de Standard.

Apesar da demanda por investimento constante, o Standard recompensava os jogadores por atenderem aos eventos e, principalmente, por jogarem bem e fazerem bons resultados. O formato lhe abria portas, te permitia participar de alguns dos maiores torneios competitivos de Magic, e não havia qualquer necessidade de criadores de conteúdo e/ou lojistas promoverem o formato, pois ele já se promovia sozinho por vender o sonho do Magic competitivo e profissional.

Além disso, em outros tempos, havia uma discrepância gigantesca entre a disponibilidade de cards recentes e cards mais antigos. Nesse mesmo período, o Standard era o formato mais famoso porque seu investimento financeiro era muito menor do que, por exemplo, investir em um deck de Modern. Logo, ele era o formato competitivo mais famoso do jogo.

Hoje, os tempos mudaram. Não só porque o "sonho profissional" não existe mais, também por conta de dois "novos" formatos: Pioneer e Commander. Pode parecer errado colocar o Commander nesta categoria, mas sua existência criou um ambiente novo para se jogar Magic, um mais social e menos competitivo, um mais próximo do jogador casual e menos atrativo para os que buscam competição.

O suporte que a Wizards deu ao Commander deu a ele o holofote necessário para que ele se tornasse o formato mais famoso do jogo, e virasse a referência quando alguém pergunta "por qual formato devo começar?".

A história do Pioneer é um pouco diferente. Ele foi criado como um meio de amplificar a longevidade dos cards de Standard quando eles deixam o formato, sem criar a mesma discrepância temporal e de valores monetários que o Modern têm. A ideia era lógica: suas cartas não valem mais em um formato, você migra para o outro e, se quiser, constrói um deck com o que possui em sua coleção.

No entanto, dois eventos aconteceram que quebraram essa simetria entre o Standard e o Pioneer. A primeira foi a pandemia, que encerrou por quase dois anos qualquer atividade de jogo presencial ao redor do mundo, levando diversos jogadores de Standard a não comprarem mais cards. Quando podemos voltar ao presencial, a maioria da coleção desses jogadores passaram a só valerem no Pioneer.

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A segunda foi o power creep. Muitos decks do Pioneer/Explorer são compostos por "cards do Standard" + "alguns cards mais antigos". Isso deve-se ao fato de que o power level do jogo subiu consideravelmente nos últimos anos, e fez com que estratégias que antes seriam viáveis no Pioneer fossem superadas por decks compostos de peças mais recentes.

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Veja o Rakdos Midrange, por exemplo: a base de ambas as listas é composta basicamente por Fable of the Mirror-Breaker, Bloodtithe Harvester, Sheoldred, the Apocalypse e Graveyard Trespasser, com a adição de peças pontuais com base no Metagame e/ou disponibilidade delas nos formatos.

Em teoria, isso deveria ser excelente, pois permite que uma pessoa monte um deck em um formato e já considere montá-lo no outro. Na prática, essa mesma pessoa se questiona porque investir X em um deck de Standard, quando posso investir este mesmo valor no Pioneer e não perder dinheiro com a rotação?*.

O Standard, de alguma forma, acaba perdendo por ser forte demais, ao ponto de seus cards mais importantes impactarem o Pioneer, e criarem decks ou propostas de jogo muito parecidas. E a lógica econômica comum é a de que investir no formato rotativo gera menos retorno, ainda mais agora que o Standard não é mais a principal porta de entrada para o Magic competitivo.

Ampliar a longevidade dos cards é uma boa solução para o problema de investimentos, mas ele não adereça os outros motivos pelos quais o Standard não é o que ele costumava ser no período pré-pandemia.

Magic Arena, Pandemia e o Padrão Predatório

Por mais que os jogadores interpretem dessa maneira, afirmar que o Standard está em declínio é uma má interpretação dos fatos. O formato está tão ativo quanto sempre esteve, ou até mais do que em anos anteriores, só que não com cards físicos em lojas locais. Afinal, ele é o carro-chefe do Magic Arena.

A chegada da nova plataforma digital, em 2018, trouxe mudanças na percepção dos usuários quanto à Magic, com uma parcela de novos jogadores chegando em lojas para buscar produtos suplementares, porque jogaram eles em seus computadores. Não eram raros os momentos onde alguém que começou no jogo através do Arena iria até uma loja, compraria um Challenger Deck que se encaixasse com a proposta do que ele jogava no digital, e participaria de eventos semanais na sua loja local, como o FNM.

Fonte: Wizards of the Coast
Fonte: Wizards of the Coast

Isso mudou com a pandemia.

Com o mundo inteiro trancado em suas casas para sobreviver à maior catástrofe de saúde pública do último século, as empresas precisaram adaptar seus modelos de negócios para esses tempos anormais. Por sorte, Magic: The Gathering já possuía duas plataformas prontas para isso, com o Magic Online (MTGO) e o Magic Arena (MTGArena), e viu, naquele momento, a melhor oportunidade de promover o ambiente digital.

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O Magic Arena foi criado para introduzir a marca "Magic: The Gathering" ao universo do eSports, o que terminou por dar errado por uma série de fatores, incluso o amadorismo da empresa quanto ao ambiente de jogos digitais, evidente em todas as transmissões dos Mythic Championships durante 2020 e 2021.

No entanto, esses anos também foram os anos onde o Magic Arena era o melhor, ou o único, meio de jogar Magic para várias pessoas, e a necessidade de um ambiente competitivo para manter o público engajado levou à criação, inclusive, de sites para organização de torneios, com premiações em dinheiro para eventos on-line - e em maioria, eles ocorrem no formato Standard, o mais acessível e popular dentre todos os formatos disponíveis na plataforma.

Os anos passaram. Felizmente, a pandemia deixou de ser uma crise mundial, e as pessoas puderam voltar à rotina de eventos em lojas locais e/ou com grandes eventos ocorrendo presencialmente, como o Pro Tour.

Só que o Magic Arena permanece muito popular, muitos investiram tempo e dinheiro para construir suas coleções durante a pandemia, e se torna bem mais prático "farmar" Drafts para montar seus decks e jogar Standard quando e onde você quiser, do que investir mais dinheiro em cards que vão rotacionar e perder valor, se não houver bons motivos para você ir até sua loja local e jogar o formato.

Ou seja, em relação ao Standard, o Magic Arena se apresa do Magic presencial. Não há motivos, fora uma paixão pelo formato, ou a construção de uma comunidade muito unificada pelo lojista, para um jogador optar por investir nele ao invés de outro formato. Afinal, "porque eu compraria cards de um formato que consigo jogar no Arena e ainda participar e ter a oportunidade de ganhar recompensas com os torneios online?" é, sim, um argumento válido.

Logo, o outro problema que a Wizards precisa adereçar é como tornar do Standard atrativo para que esse mesmo jogador do Magic Arena tenha o desejo de investir em cards físicos e ir até uma loja para jogar um torneio presencial. Do contrário, o ciclo onde preferir jogar no conforto de sua casa ao invés de deslocar-se até determinada região, e ainda receber boas premiações - algumas, inclusive, promovidas pela própria WotC - permanecerá intacto, independente da longevidade do formato.

Do que o Standard Precisa?

Segundo o próprio artigo oficial, o aumento de tempo de legalidade dos cards no Standard é o primeiro passo dentre as medidas que a empresa está tomando para tornar do formato mais atrativo nas lojas locais. Logo, podemos esperar outras mudanças no decorrer de 2023 e, talvez, em 2024.

Dentro da minha experiência com o formato, e com Magic como um todo, creio haver alguns pontos que demandam boas soluções para ampliar a popularidade dele entre os jogadores.

Dê motivos para as pessoas jogarem Standard

Não basta apenas dizer "aumentamos o tempo de longevidade dos cards, agora façam os eventos". A Wizards precisa garantir que o Standard seja atrativo tanto para os jogadores quanto para os lojistas, e não é o que acontece hoje.

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Fonte: Wizards of the Coast/WPN
Fonte: Wizards of the Coast/WPN

Apesar de termos um programa que recompensa jogadores por atenderem aos FNMs, Store Championships, jogarem os RCQs, e outros eventos, nenhum desses está diretamente atrelado ao Standard, exceto por uma temporada de RCQs. Logo, a maioria dos jogadores que atendem aos torneios não ficam tão interessados em competir nesse formato.

Talvez, recriar o programa de Standard Showdown, dessa vez com promos que realmente importam e simbolizem que elas vieram projetadas para um evento de Standard, teria um efeito bem mais atrativo do que apenas alguns boosters de três ou quatro cards.

Outra opção seria a de reforçar a necessidade de jogar Standard para as temporadas de RCQs, tal como ocorria em tempos passados. Isso faria com que jogadores interessados no ambiente mais competitivo do jogo precisassem investir em decks do formato se planejassem participar de um Pro Tour.

No entanto, essa possibilidade torna das coisas mais complicadas para um jogador. Claro, todo mundo que vai ao Pro Tour tem, de alguma maneira, o benefício monetário de poder investir em passagens, estadia, alimentação, e outros custos para participar.

Logo, começar com um deck de Standard para se classificar aumenta a porta de entrada dos jogadores para o ambiente competitivo, e quando você se classifica, se você têm a intenção de participar do Pro Tour, você provavelmente consegue o suporte de outros jogadores para montar um deck que se encaixe no formato do evento principal.

Por exemplo, jogar um RCQ de Standard, classificar-se para o Pro Tour jogando Standard para, então, precisar procurar por e praticar com um deck de Modern é dissonante. Especialmente para esse mesmo jogador que, graças às mudanças que poderiam ocorrer no sistema de RCQ, conseguiu ingressar no ambiente competitivo. De uma hora para outra, ele teria de correr atrás de um deck específico, de um formato que ele talvez nunca tenha jogado.

Além disso, a necessidade é de aumentar a popularidade do Standard no jogo presencial, e isso precisa ser trabalhado na base, nas lojas locais, motivando seus frequentadores a participarem de torneios do formato. Tornar dele o formato de norma dos RCQs o deixaria atrativo para a parcela mais engajada no ambiente competitivo, mas esses são uma minoria no público de Magic, e apesar de ajudar a movimentar o formato em lojas locais como "espaços de treino", essa mudança não ajudaria o jogador casual a se sentir confortável em experimentar o formato e participar desses eventos.

Gerencie melhor a diversidade do formato

Timing é um elemento importantíssimo da comunicação empresarial. A Wizards não é um bom exemplo disso. Não basta apenas dizer "aumentamos o tempo de longevidade dos cards" quando o formato está hegemonizado em torno dos mesmos cards desde o início da temporada atual - essa mesma temporada que, agora, vai durar por mais um ano.

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Os cards acima estão no topo do Standard durante toda essa temporada, e absolutamente nada tirou eles de lá durante esses meses. Em formatos não-rotativos, poderíamos afirmar que isso é natural, e o Metagame tem, de fato, os melhores decks e os que tentam se apresar deles. A mesma lógica não se aplica tanto ao Standard.

Por conta da baixa diversidade de cards, um Metagame saudável no Standard é aquele em que há alguns melhores decks, e eles competem entre si pela posição no topo durante cada semana, formando um espectro de "pedra-papel-tesoura" entre eles, com mudanças pontuais ocorrendo em suas listas ou até um novo arquétipo surgindo para se apresar do "melhor deck da semana", formando um ambiente diversificado onde, apesar de um estar um pouco acima dos demais, ele não cria uma hegemonia em relação aos outros.

Esse não é o caso da temporada atual. Rakdos foi, durante a maioria das semanas desde a última rotação, o melhor deck do formato. Arquétipos nas cores Magic Symbol RMagic Symbol B compuseram mais de 50% do Metagame do Pro Tour, e, apesar de apresentarem propostas distintas, todos ainda recorrem à mesma base de Bloodtithe Harvester + Fable of the Mirror-Breaker + Sheoldred, the Apocalypse. Por mais que o "payoff" seja diferente, o "plano Midrange" é o mesmo para todas as variantes.

Logo, esse não é um formato que podemos chamar de diversificado e do qual jogadores gostariam de manter-se nele por mais um ano. Isso cria uma situação delicada onde, por um lado, a Wizards deveria agir com uma intervenção direta para amplificar a diversidade do Metagame. Por outro, a empresa precisa ser mais cuidadosa sobre banimentos para não "matar decks inteiros" e fazer com que jogadores sintam que seu investimento foi em vão.

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O caso do Rakdos Midrange, hoje, é uma anomalia nessas situações: a sua base é tão boa que ela criou uma variante própria no Pioneer da qual também é o atual melhor deck do formato. Isso, por si, já deveria deixar claro que ele está em um power level acima dos demais, e não seria tão prejudicial para os jogadores caso um banimento ocorresse em um, ou dois, dos seus principais cards porque a "taxa de migração" dessa lista para o Pioneer é bem menor do que se fosse uma estratégia que só funciona no Standard.

Se a Wizards quer que os jogadores engajem com o formato em suas lojas, eles precisam tornar do seu ambiente atrativo e diverso sem fazer dele pouco seguro para investir. Isso significa gerenciar a saúde do Standard conforme necessário, com firmeza o suficiente para banir o que precisa ser banido, mas cirúrgico também, sem criar situações onde decks inteiros precisam ser mortos, ou onde cards deixam o formato sem qualquer necessidade.

Dê mais opções de produtos para o Standard

E por mais produtos, quero dizer mais Challenger Decks e outros itens da mesma categoria, porque eles são a porta de entrada perfeita para o formato.

Challenger Decks de 2022 / Fonte: Imagine Games
Challenger Decks de 2022 / Fonte: Imagine Games

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Há mais interesse em jogar presencialmente quando alguém não precisa correr atrás de tantas cartas para participar de um torneio. Ter produtos "prontos para jogar" é uma proposta que funciona muito bem para o Commander, e poderia funcionar para o Standard em lojas que oferecem eventos locais.

Aumentar a produção e diversidade dos Challenger Decks e torná-los disponíveis em uma base semestral daria ao jogador casual a oportunidade de experimentar o formato, especialmente se estiverem tão bem-construídos quanto algumas das listas mais recentes foram, sem a necessidade de que eles estejam nos padrões das listas mais otimizadas, mas também sem enfraquecê-los ao ponto de torná-los ruins ou sub-otimizados.

O acréscimo de produção de Challenger Decks também poderia ajudar o Standard com outro problema frequentemente citado: preços. Ter mais chances de reprintar peças-chave como one-ofs ou two-ofs em determinadas listas ajudaria a aumentar a disponibilidade desses cards no mercado, o que diminuiria seu preço durante um período e ajudaria esse mesmo jogador interessado na caixinha com o deck a fechar a sua lista.

Mas e o Magic Arena?

Creio já estar claro para uma parcela da comunidade que o Magic Arena é tratado como um produto à parte, com outra audiência de jogadores. Nenhuma mudança que será feita pela Wizards passará por tornar da plataforma digital menos atrativa para o jogador, mas em tornar do Standard no jogo analógico mais interessante.

Logo, não creio que qualquer mudança acontecerá na gestão do Magic Arena que prejudique o interesse dos jogadores do formato na plataforma, e toda ação tomada pela Wizards deve passar pelo tratamento dela na relação com lojas locais, organização de eventos e distribuição de produtos no jogo presencial.

A única diferença que faria algum sentido seria integrar alguma parte do jogo físico e do ambiente digital. Por exemplo, a inclusão de códigos nos Booster Packs poderia servir de atrativo para que jogadores comprem mais boxes e, consequentemente, adquiram mais cards para montar seus decks físicos.

Porém, essa é uma medida que, em fins práticos, faria a Wizards potencialmente perder dinheiro ao retirar dela a principal vantagem em vender Boosters digitais no Magic Arena. Logo, essa medida parece improvável demais para ser considerada.

Conclusão

Isso é tudo por hoje.

Em um contexto geral, a expansão do Standard parece positiva para o formato, inclusive para aqueles que jogam no Magic Arena, pois dão mais um ano de validade para o seu investimento em boosters digitais.

Para o presencial, essa medida é um primeiro passo excelente, mas precisa ser somada a outros pontos das quais a Wizards precisa adereçar se deseja amplificar a popularidade do formato, como maior suporte às lojas locais, aumento de disponibilidade de produtos "prontos para jogar", e um gerenciamento mais efetivo da saúde do Metagame.

Obrigado pela leitura!