Magic: the Gathering

Opinião

Universes Beyond: Magic chegou no Ponto sem Retorno

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A partir de 6 de junho, o Magic: The Gathering como o conhecemos deixará de existir.

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revisado por Tabata Marques

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Sempre que escrevo um artigo deste gênero, me sinto obrigado a compartilhar meu posicionamento nessa discussão: eu não me importo com Universes Beyond. Após a percepção gradualmente mais evidente de que Magic é um produto a ser vendido, a migração do foco dele para agregar outras marcas é apenas o progresso natural que se espera do jogo nos seus tempos modernos. Não parece ser do interesse da Hasbro que Magic seja algo além de sistema de jogo.

Não me leve a mal, Final Fantasy será a minha expansão favorita de todos os tempos, o que tem muito mais a ver com o que Final Fantasy significa para mim do que sobre Magic, e devemos considerar isso com mais frequência quando abordamos esses sets: Universes Beyond é a pior coisa a acontecer com Magic até sair algo que te agrada.

Pode não ser Final Fantasy, Marvel, Senhor dos Anéis ou Avatar, mas, uma hora, vai sair algo que te puxa para aquele produto, que mexe com a sua memória afetiva, com paixões que estão além do card game, com coisas que você consegue compartilhar e ter bons momentos nas demais esferas sociais que você possui.

São elementos que, por natureza, temos dificuldades de estabelecer com Magic, e por isso acredito que existem benefícios em Universes Beyond, da mesma maneira que há malefícios: a falta de integridade estética, de narrativas e storytelling após 30 anos de construção de mundo e, claro, a sensação do jogo estar virando um Fortnite — está mais próximo de um Funko, na verdade, mas essa é uma conversa para depois.

Existem também as incertezas. Não sabemos como Magic vai estar daqui a três anos, muito menos em cinco quando Foundations tiver rotacionando. Não temos ideia do quanto Universes Beyond terá alterado o jogo e muito menos as repercussões que essas mudanças trarão na estrutura competitiva e percepção social sobre o card game.

Independente delas, há apenas o fato: A partir de 6 de junho, Magic: The Gathering como o conhecemos deixará de existir. O lançamento de Final Fantasy indica o momento em que Universes Beyond estará permanentemente em todos os formatos do jogo e será parte da escala de lançamentos oficial, e o primeiro passo para cada vez mais personagens de franquias distintas permearem as mesas de jogo dentro e fora do cenário competitivo.

Como chegamos no ponto sem retorno?

Sim, isso é uma carta real de Magic
Sim, isso é uma carta real de Magic

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Tecnicamente, crossovers são algo que Magic faz há muitos anos: cards de My Little Pony e até Frango-Robô (uma animação antiga do Adult Swim) existiram em momentos específicos, como peças de celebração e/ou agradecimentos por colaborações e parcerias da Wizards of the Coast com outras marcas. A mudança de foco começou, entretanto, com o Secret Lair.

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Na época em que foi revelado, em 2019, Secret Lair teve uma repercussão e tanto. Para muitos, era a primeira vez que a Wizards of the Coast estava dizendo abertamente que tinha interesse em vender direto para o consumidor do mercado secundário, ao invés de limitar-se a apenas vender o produto primário — booster boxes, decks, etc — e foi recebida com um certo ceticismo.

Durante o mesmo período, Throne of Eldraine introduziu duas outras medidas voltadas para o público colecionador de Magic com as novas variantes de tratamentos, além dos Collector Boosters, ambos elementos que permearam o jogo para sempre e, provavelmente, nunca vão embora. Ficou evidente que Magic estava querendo falar com outro público e atender às demandas que eles tinham em relação ao card game.

Secret Lair eventualmente se tornou parte da cultura de Magic, sendo lançado junto de cada nova expansão com drops temáticos em torno dela, ou com artistas e ilustradores convidados. Em outubro de 2020, entretanto, Magic deu o primeiro passo para o que se tornaria Universes Beyond

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The Walking Dead é um dos produtos mais controversos de Magic, talvez atrás apenas daquela vez em que decidiram imprimir proxies de Beta para celebrar seu aniversário de 30 anos, sob a premissa de “reviver a experiência de abrir um booster daquela época”, e cobraram US$ 999 pela dita “experiência”.

Esse caso a parte, a discussão em torno deste Secret Lair envolvia a primeira vez em que Magic estava fazendo duas coisas: imprimir cards com mecânicas exclusivas em um Secret Lair e imprimir cards novos e exclusivos inerentes a um universo que não pertence à Wizards of the Coast.

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Magic já estava fazendo algumas parcerias antes, com o mais famoso deles sendo os cards de Godzilla em Ikoria: Lair of Behemoths, mas pela primeira vez, a empresa estava imprimindo algo novo, vendendo direto para o consumidor, e estampando ali o nome e a imagem de um personagem de outro universo, sem qualquer meio alternativo de adquirir o produto que não seja comprando diretamente dela.

Em fevereiro de 2021, a série Universes Beyond foi anunciada oficialmente. A filosofia do produto permanece, tecnicamente, a mesma de quando foi revelada: trazer outros universos para Magic como um jogo. Retratar seus personagens, momentos marcantes e outros elementos com base no sistema que o card game oferece.

Duas expansões foram reveladas naquela época: uma série de decks de Commander de Warhammer 40,000 e uma expansão completa de O Senhor dos Anéis que seria válida apenas no Modern e nos formatos eternos. Em julho do mesmo ano, o designer-sênior de Magic, Mark Rosewater, mencionou que Universes Beyond nunca chegaria a um premier set — em outras palavras, que a série nunca chegaria ao Standard.

Desde então, Universes Beyond se expandiu em diversas parcerias: Street Fighter, Arcane, Stranger Things, Fortnite, Tomb Raider, Transformers, Doctor Who, Jurassic Park, Monty Python, Clue, Fallout, Hatsune Miku, Assassin’s Creed, Ghostbusters, Chucky, Marvel, Bob-Esponja e agora Final Fantasy foram algumas das outras marcas com as quais Magic colaborou desde 2021.

Mas uma delas, em específico, pode ter mudado tudo o que conhecemos sobre o jogo.

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Lord of the Rings foi, até este ano, a expansão mais vendida da história de Magic. Hoje, sabemos que Final Fantasy já superou seus números durante a pré-venda. Mas se FF fez isso, foi porque o Senhor dos Anéis pavimentou o caminho e mostrou a gigantesca mina de ouro que existem em cativar um público com Universes Beyond em uma expansão principal.

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Poucos meses depois, Magic anunciou a parceria com Final Fantasy e Marvel. Enquanto os detalhes não estavam claros, esperava-se que esses seriam edições principais aos moldes de Lord of the Rings — válidas no Modern em diante, mas longe das mesas de Standard, e sabemos por entrevistas e comentários da equipe de design que Final Fantasy foi originalmente projetado para o Modern e mudou de direção no meio do caminho.

Mudou porque a prioridade mudou junto: em outubro de 2024, Magic anunciou que Universes Beyond seria, a partir de 2025, válido em todos os formatos do jogo e que, agora, metade das expansões em um ano seriam da série, enquanto a outra metade seria do que eles denominaram como “Magic IP”.

Para fins práticos, significa que Magic como universo perdeu espaço para dar mais espaço para parcerias com outras marcas. É aqui onde estamos, e é com Final Fantasy que essas mudanças se aplicam.

O ponto sem retorno de Magic: The Gathering é agora.

O que muda daqui para frente?

Ao mesmo tempo, tudo e nada. Depende de como você, enquanto jogador e consumidor, enxerga Magic: The Gathering.

A essência de Magic é o jogo, e este — no momento — não vai mudar. O que muda é o que cada carta dentro desse jogo passa a representar: saem os personagens contidos em um único multiverso para entrar Cloud, Midgar Mercenary e, daqui a alguns meses, alguma variante de Sensational Spider-Man válida no Standard. Poucos meses depois, será a vez de Aang e seus amigos terem espaço nas mesas de jogo, e a expectativa é que esse movimento seja replicado em 2026, e se der certo, em 2027, e assim sucessivamente.

Mudanças não serão sentidas de imediato. Primeiro, Final Fantasy não aparenta, hoje, ser aquela expansão que define formatos. Ela não está acima do nível de poder quando a comparamos com o restante da vasta pool de cartas do Standard — mas ela possui três anos de longevidade no formato, tal qual todas as edições de Universes Beyond deste ponto em diante.

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Os anos de edições “full Magic” serão lentamente substituídos por àqueles em que Universes Beyond permeia metade dos lançamentos, e se o ritmo de lançamentos permanecer o mesmo em dois anos, quando Final Fantasy estiver no seu último ano antes da rotação, o cenário competitivo do jogo terá centenas de outros personagens de diferentes marcas batalhando nas mesas de Standard e protagonizando decks que aparecem nas transmissões de Pro Tour.

Esse destino para Magic não é um se, mas um quando. O que começou em 2020 como “apenas mais uma coisa legal além de todas as outras coisas legais que fazemos” com o Secret Lair x The Walking Dead, cinco anos depois, é parte da gênese e estrutura competitiva do jogo, seus cards serão apresentados ao vivo no topo das mesas dos grandes torneios, e o próximo campeão mundial pode, talvez, conquistar sua glória graças ao Sephiroth, Fabled SOLDIER, ou quem sabe por causa do Peter Parker?

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Universes Beyond será metade do Standard em 2027, e será inevitável misturarmos Sephiroth, Fabled SOLDIER com o Venom ou qualquer personagem de uma franquia que faça parcerias com Magic: The Gathering nos próximos anos, e assim haverá um momento em que, por natureza do power creep, os decks competitivos de Magic em formatos não-eternos será composto majoritariamente por uma amálgama do que essas expansões podem oferecer.

Por alguma ironia, a temporada de Tarkir: Dragonstorm, turbulenta por conta dos resultados impressionantes do Izzet Prowess, serão a última lembrança que teremos do Magic como ele costumava existir, e o momento que os jogadores mais nostálgicos usarão como referência para dizer que a estrutura e estética do jogo era melhor antes de Universes Beyond — vale ressaltar: Magic passa por uma enorme crise estética há muito tempo. Mas, talvez, eles estarão certos quando misturarmos Cloud, Midgar Mercenary com seja lá quantos outros personagens de universos distintos tivermos no jogo daqui a dois anos, e sentirmos que há algo errado ali.

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Em defesa de Universes Beyond, ninguém reclamou quando, em 2017, estávamos usando Ghalta, Primal Hunger para pilotar uma Skysovereign, Consul Flagship e atacando com ela e o nosso oponente estava usando uma temível Aetherworks Marvel para trazer o horror lovecraftiano interplanar Ulamog, the Ceaseless Hunger para a mesa, ou quando um Squadron Hawk de alguma forma conseguia carregar uma Sword of Feast and Famine e ainda voar — Magic nunca fez sentido, nós apenas fingimos que ele faz — mas… Sim, talvez, ali na frente, quando buscarmos as roupas do Homem-Aranha com o Cloud para equipar o Aang com elas, a gente realmente sinta que tem algo de errado.

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Ou talvez, em dois ou três anos, a gente olhe para Magic e veja que ele apenas se transformou. Virou algo além do que ele era e, nesse processo, conseguiu encher nossas lojas com pessoas de públicos muito distintos que passaram a compartilhar uma paixão em comum — jogar Magic.

Este pode ser o possível primeiro passo do card game para ser reconhecido como um aspecto cultural coletivo, algo com o qual as pessoas podem se unir a partir deles, independente das diferenças que existem sobre seus personagens e marcas favoritas. Algo para aproximar humanos em um mundo em que a humanidade precisa de mais proximidade.

O ponto sem retorno chegou. Admito, tenho mais preocupações e incertezas sobre o futuro do jogo que acompanhei durante 15 anos do que alívios — não faço ideia de até onde este modelo de lançamentos e parcerias é sustentável no longo prazo para Magic —, mas, em partes, há um sentimento de reencontro com ele ocasionado por Final Fantasy ser o ponto de partida dessa mudança que definirá MTG nos próximos anos, e como já dizia o trailer de anúncio de FFVII Remake: “O reencontro pode trazer alegria, pode trazer medo, mas vamos abraçar o que quer que ela traga”.

Obrigado pela leitura!