No meu artigo anterior, mencionei como a possibilidade de um formato voltado para Universes Beyond e os desafios que este cenário poderia ter para ser estabelecido. Um dos fatores que, intencionalmente, não mencionei foi “resistência do público”.
Enquanto existem muitas pessoas que não se importam com Universes Beyond e/ou que gostam da ideia dos crosssovers com Magic: The Gathering, há também uma parcela de jogadores que desprezam a ideia de Magic perder o seu senso de identidade por compartilhar espaço demais com outras marcas e franquias. São pessoas que, independente dos eventos recentes, preferem e sentem falta do Magic nas suas raízes — ou pelo menos de um Magic que se ambiente apenas nos vários planos do Multiverso do jogo.
Não há qualquer juízo de valores a ser feito sobre as preferências de cada um. Magic é para todo mundo: daquele que olhou o Starter Kit de Final Fantasy e decidiu começar a jogar com ele até os que são tão oldschool que presenciaram uma Black Lotus aberta em um booster pack.
Enquanto tivermos a capacidade de ser gentis e respeitarmos os outros — eu sei, um desafio na era das mídias sociais — é irrelevante se preferimos jogar com o Homem-Aranha nas nossas mesas de Commander, ou se queremos evitar consumir esse tipo de produto e preferimos o “Magic tradicional”.
A demanda por um lugar sem Universes Beyond existe. Convenhamos, a Wizards não está interessada comercialmente em ouvir essa demografia, e por muitas vezes, comentei em nossos vídeos sobre que se a ideia de Universes Beyond parece inconcebível para você, o momento em que eles entraram no Standard foi o ponto onde se deve reconsiderar sua relação com Magic e avaliar se outro card game consegue te oferecer o mesmo valor em termos de aproveitamento de jogo (particularmente, recomendo Flesh and Blood para qualquer um que sinta falta das raízes de Magic).
Mas humanos são complexos. Nem toda decisão é tão abstrata quanto “se um jogo não atende mais às minhas expectativas, eu deixo de jogá-lo”. Magic existe há 30 anos, tem pessoas apaixonadas por esse TCG há mais de uma década, talvez mais de duas. Abandonar uma “relação” de tanto tempo porque “não reconheço mais o jogo” é difícil e talvez as pessoas não queiram abandoná-lo, apenas encontrar seu espaço nele.
Um espaço sem Universes Beyond. Um lugar onde os caprichos da Hasbro visando extrair o máximo de lucro possível não tenham tanto impacto no aproveitamento do jogo para você, um espaço onde o consumidor tenha mais controle sobre o que ele quer consumir ou não, onde o power creep não é tão discrepante e o absurdismo fique limitado somente a própria lore de Magic: The Gathering. Existe um motivo pelo qual existem tantos formatos alternativos que tentam excluir Universes Beyond ou os Horizons sets.
Dentre eles, existe um que, segundo os vários comentários que recebemos em nossos vídeos no YouTube quando abordamos Universes Beyond, parece ser o melhor espaço possível para quem deseja jogar sem crossovers e removendo as decisões de mercado da Wizards of the Coast da equação: Premodern.
Um formato com propósito próprio
Existem vários formatos alternativos em Magic. Do Oldschool 93/94 onde jogadores podem usar apenas cards desta época, até variantes de Commander como o Conquest ou versões baseadas no custo dos decks, passando também por formatos que tentam excluir coisas que tenham mudado substancialmente o jogo: “Horizonless” Modern é um exemplo desses formatos, mas a conversa sobre um “Pioneer sem Beyond” já existe desde o primeiro dia em que a Wizards anunciou que os sets de crossovers passariam a valer no Standard.
Como nenhum desses formatos são oficiais, jogadores podem fazer o que quiserem com eles. Eles não diferem da ideia de se juntar em uma mesa de Commander e decidir um bracket para todo mundo jogar, um acordo entre os participantes do que é desejável e agradável para uma partida. Mas esse mesmo acordo pode, por vezes, carecer de charme: a maioria desses formatos que tentam excluir determinados sets sem um propósito específico fora de “eu não gosto disso, então não jogo com isso”, que não difere da pessoa que se recusa a sentar na mesa de Commander porque “não gosta de Comandante X que jogador Y está usando” — isso não parece atrativo para uma demografia mais ampla porque soa como infantilidade ou egoísmo.
É nesse ponto que o Premodern se diferencia. Caso você não o conheça, Premodern é um formato onde apenas cards lançados entre Quarta Edição e Scourge são válidos, e qualquer set após Oitava Edição — quando Magic mudou o seu frame — não é permitido. Além disso, ele conta com uma extensiva lista de cards banidos:

Apesar de englobar e ter recebido mais atenção da comunidade por conta das decisões recentes da Wizards, não está na gênese do formato ser uma criação de “quem não gosta de X ou Y” — ele tem propósito próprio: permitir que jogadores utilizem os cards antigos, que predatam a mudança de frames no jogo ocorrida com a Oitava Edição. Um lugar para reviver seus Psychatog, jogar com aquele famoso deck de Madness, testar Goblins e Elfos, entre uma dúzia de outras possibilidades. Excluir Universes Beyond é consequência, não propósito.
Um campo amplo para inovação
Um dos maiores atrativos em jogar Magic é descobrir maneiras novas de utilizar os cards. Apesar do Premodern restringir a quantidade de cards válidos, o formato é extremamente diverso, com nenhum deck dentre os mais famosos batendo mais de 10% de média no Metagame.

Obviamente, como todo cenário competitivo, o Premodern tem sua gama de melhores decks, ou de escolhas mais populares entre os jogadores por facilidade de acesso aos cards, facilidade de jogar com a lista, ou até mesmo mera nostalgia.
Isso também abre muito espaço para inovar, explorar pontos ainda inexistentes e ir atrás de uma lista para o seu Metagame ou, quem sabe, para o próximo “Tier 1” do formato — a ideia de misturar Terravore com Oath of Druids para melhorar a consistência do Terrageddon foi uma inovação recente se comparado com outros arquétipos, e pode haver muito mais o que descobrir além dessas interações.

O formato também tem um espaço muito amplo para nostalgia, ou para explorar arquétipos que, quando você começou a jogar, já não existiam mais. Um exemplo comum é o deck de Madness: muitos começaram a jogar Magic na última década, e, portanto, não tiveram contato com um dos arquétipos que, hoje, é um dos mais acessíveis do metagame se não utilizar Survival of the Fittest, enquanto compartilha todas as ferramentas que o tornaram uma estratégia real nos anos 2000.
Psychatog, que consagrou Carlos Romão como campeão mundial em 2002, também tem seu espaço no formato e, mesmo que ele não seja tão competitivo quanto um Stiflenought, a acessibilidade permite montá-lo e experimentar o deck, fazendo mudanças conforme a necessidade do seu cenário.
De certa maneira, esse estágio do Premodern hoje me lembra de quando conheci o Pauper. Na época, os Challenges do Magic Online já existiam e o formato estava ascendendo no Brasil devido a uma mistura de início da crise financeira do país somado com a vontade de jogar um Magic “mais barato”.
Enquanto o Mono Black Control foi o deck mais popular por alguns anos, a ampliação para um cenário foi, aos poucos, afunilando o Metagame, mas ainda havia muito espaço para inovar de maneiras variadas, como presenciamos por anos conforme cards como Battle Screech e Palace Sentinels foram ganhando mais espaço, ou quando Faeries começou a fazer um splash de para Skred e Lightning Bolt, e uma dúzia de outras mudanças ocorridas no decorrer do ano tanto por downshifts quanto pela oportunidade de explorar cards antigos.
Com o Premodern crescendo em popularidade, prováveis são as chances de jogadores ao redor do mundo encontrarem novas maneiras de explorar cards e interações, tornando-o um espaço excelente para inovar neste momento.
O Peso da Popularidade
Esse crescimento vem com um desafio: quando comecei no Pauper e quando organizava eventos do formato, uma das minhas maiores retóricas para convencer jogadores era o quão barato o formato era. Hoje, o Pauper ainda é tecnicamente barato, mas cards como Snuff Out, Dust to Dust, ou qualquer coisa que jogue muito já custa mais da metade do valor que eu mencionava há oito anos, sendo o necessário para montar um deck inteiro.
Conforme o Premodern fica mais popular, tem sido comum ver esta movimentação em torno dele no mercado: além de cards old frame valendo três vezes ou mais o valor de uma versão mais recente dele por mera estética, existem diversos cards que nunca tiveram um reprint fora do seu lançamento original e que podem subir ou já subiram de preços por jogar em um deck do formato, mesmo que este seja um Tier 2 ou 3.
A relação do mercado de singles no Magic é turbulenta, especialmente para coisas antigas. A Reserved List tem os seus preços por um motivo — a lista foi criada por este motivo — é natural que outras staples de baixa disponibilidade no mercado acabem enfrentando ou já enfrentem o mesmo destino.
No entanto, um ponto relevante ao considerar os custos do Premodern é o quão comparável eles são com, por exemplo, jogar Standard. Com seis lançamentos por ano, o preço de manter um deck do Standard atualizado aumentou consideravelmente, e o valor ampliado dos produtos de Universes Beyond fazem o preço das singles catapultar para níveis que testemunhávamos antes apenas em staples específicas como Sheoldred, the Apocalypse, ou em cards da série Modern Horizons.

Dependendo do seu deck de escolha, ele certamente será mais barato do que jogar Standard, mas o mesmo talvez não seja verdade se o seu deck de escolha incluir muitos cards da Lista Reservada. Staples como Survival of the Fittest ou Phyrexian Dreadnought são alguns dos principais exemplos de peças de decks Tier 1 ou amplamente conhecidos que podem ser bem difíceis de adquirir mesmo em sua versão de borda dourada, que são tecnicamente válidas no formato — Talvez, o meme de Greed não deveria ser aplicado somente à Wizards of the Coast.

O argumento que muito se escuta na comunidade de Legacy também se aplica ao Premodern nesses casos e deve ser considerado: vale mais investir em um set de Sheoldred, the Apocalypse e ela perder valor dois anos após seu lançamento, ou usar este custo para comprar uma staple atemporal que vai reter o seu valor de mercado porque não existe reprint dela?
Particularmente, sou muito crítico de enxergar card games como mercado dessa maneira, mas essa é a realidade em que estivemos inseridos desde Chronicles, tão engessado na gênese da comunidade e do próprio jogo que dificilmente conseguiremos mudar este raciocínio — e nesse mundo dos card games como ele se apresenta e como as comunidades gostam de enxergar o hobby como amortecedores financeiros ou investimentos, a lógica de que “Reserved List retêm valor” é aplicável.
Um formato para todos, mas um lar para os mais tradicionais
Seja você um fã de Final Fantasy que considera MTG x FF a melhor expansão de todos os tempos, ou alguém que diz que “Magic virou Fortnite” (está mais próximo do Funko), o Premodern tem alguma coisa para você: um Metagame interessante, um jeito coerente de criar um formato alternativo, e um cenário criativo amplo implorando para ser explorado.
Mas ele certamente tem um lugar especial para você se você não concorda com as mudanças mais recentes de Magic e as atitudes da Wizards of the Coast: a empresa não tem qualquer poder sobre o formato e dificilmente será do interesse comercial dela transformar o Premodern em um formato oficial como fizeram com o Pauper. Ele não vende produtos, e se vender, terá de ser em um reprint set que, há de convir, ajudaria mais a comunidade do que prejudicaria de qualquer outra maneira.
O formato é imune a qualquer coisa que possa acontecer. Ele é atemporal enquanto mantém um senso de identidade que é exclusivo dele e vai para muito além de “eu não gosto de jogar com isso”. Ele tem charme, os jogos são desafiadores, os decks são divertidos, e os seus desafios — em maioria, financeiros — são uma consequência natural da cultura que a própria comunidade de Magic cultivou durante três décadas. E esses, com os acordos certos, podem ser adereçados de maneiras criativas por cada comunidade local.
Torço muito que o Premodern dê certo como formato, e quem sabe, daqui a alguns anos, podemos pensar em diversos cenários e campeonatos nacionais ocorrendo ao redor do mundo em um formato que abraça qualquer um disposto a conhecer e admirar a história de Magic.
Caso queira conhecer mais sobre Premodern, temos um guia de staples do formato e uma Tier List de 2024
. Também temos alguns decks baratos para quem deseja começar no formato
.
Obrigado pela leitura!













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