Magic: the Gathering

Opinião

Modern Horizons não deveria ter foco de design para Commander

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Ao considerar demais o Commander no design para um produto voltado a mudar formatos eternos competitivos através do power creep, a Wizards assume ainda mais riscos do que a filosofia de Modern Horizons já tem - e isso é ruim até para o formato multiplayer!

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revisado por Romeu

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Nadu, Winged Wisdom está banido. O anúncio de 26 de agosto finalmente chegou e tirou do Modern um dos piores card designs de todos os tempos do jogo e um que - obviamente - requeria uma explicação de como eles chegaram até o card e como ele foi lançado dessa maneira. Os parágrafos que se destacam no artigo aonde Michael Majors explica como Nadu foi criado são:

Nadu passou por quase todo o desenvolvimento de Modern Horizons 3 dessa maneira:

Magic Symbol 1Magic Symbol UMagic Symbol G

Criatura Lendária - Ave Mago

3/4

Voar

Você pode conjurar cards de permanente como se tivessem lampejo.

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Se uma permanente que você controla for alvo de uma mágica ou habilidade que seu oponente controla, revele o card do topo do seu grimório. Se for um terreno, coloque-o em jogo. Do contrário, coloque-o em sua mão.

“Após os testes, há análises de última-hora dos sets entre vários grupos, um procedimento comum de cada lançamento e uma oportunidade para pessoas de vários departamentos avaliarem o projeto e darem seu último feedback. Em uma dessas reuniões, houve uma dúzia de preocupações com a habilidade de dar Lampejo de Nadu para jogos de Commander. Após remover essa habilidade, não estava claro que o card teria um lar, algo importante para todo card que criamos. No fim, minha intenção era de criar um card para se construir em volta nos jogos de Commander, o que resultou no seu texto final.”

- Michael Majors

Mais abaixo, Majors admite:

“Eu não percebi que a interação com habilidades de zero mana seriam tão problemáticas. As últimas pessoas na empresa que viram a última versão do card também não perceberam. Nós não testamos Nadu na sua versão mais recente, pois estávamos nos últimos estágios do processo, e o card foi lançado dessa maneira.”

- Michael Majors

Em resumo, Nadu, Winged Wisdom foi um erro provocado pela preocupação da equipe de design em criar um card que fosse atrativo para Commander, mas que não apresentasse um perigo para os jogos no formato com sua habilidade de Lampejo, criando uma habilidade que fosse atrativa de se construir em volta, quebrando consequentemente o Modern no processo - e o pior caso é que Nadu também é tão absurdo no formato em que suas habilidades foram focadas que conversas sobre seu banimento também são comuns nas mesas de Commander.

Neste artigo, vamos conversar um pouco sobre set design, Commander e por que focar em Commander em Modern Horizons é um erro que pode custar a saúde de formatos eternos e até do próprio formato multiplayer.

Ok, vamos falar de Commander

Em essência, Commander é um formato multiplayer em que jogadores tem 40 de vida e jogam numa mesa de, normalmente, quatro pessoas. Isso significa que jogos são muito longos ou terminam com alguma espécie de combo que finaliza a partida com a vitória do seu controlador ou a derrota simultânea dos seus oponentes - cards como Thassa’s Oracle são staples e combos infinitos como os de Exquisite Blood e Sanguine Bond são comuns porque oferecem meios eficientes de ganhar as partidas.

Commander também é um ambiente gerido pela sua comunidade. Mesas são construídas em torno de power levels de decks, alguns querem se divertir jogando tipais de cavalos enquanto outros querem fazer a jogada mais absurda possível no segundo turno e, normalmente, esses dois jogadores não conversarão muito bem e, portanto, acabarão jogando em mesas separadas - a intenção da partida é o ponto principal de uma mesa do formato.

Gosto de dizer que o foco central do Commander é ser um formato eterno aonde você pode jogar com o que quiser e da maneira que quiser. Quer burlar as regras estabelecidas do formato e trapacear em custos de mana? Haverá comandantes como Yuriko, the Tiger’s Shadow para você. Quer encher a mesa de criaturas e jogar o clássico beatdown? Winota, Joiner of Forces e Edgar Markov se juntam a diversos outros cards lendários para esse plano de jogo. Quer fazer o combo mais sem sentido possível e vê-lo funcionar? Não faltam opções. Encher a mesa de permanentes ao ponto de perder os seus triggers? O precon de encantamentos de Commander Masters pode ser uma opção para você! Um deck de Eldrazi? Temos muitas opções! Jogar com cards banidos em outros formatos? Aqui você tem Vampiric Tutor, Demonic Tutor e outras mágicas consideradas fortes demais até para o Legacy.

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Commander é o que seu grupo de jogadores ou a comunidade geral quer que ele seja e, devido a essa natureza, ele é extremamente popular ao ponto de ser o formato mais jogado de Magic (com ressalvas do Mark Rosewater, que implícita que o “casual” é o formato mais jogado e que a maioria dos jogadores de MTG não devem nem fazer ideia do que é um formato). Consequentemente, ele também recebe cada vez mais suporte da empresa: precons outrora lançados uma vez por ano agora saem a cada set e até em expansões complementares como Modern Horizons 3. Sets complementares que antes eram Masters com alguns reprints agora trabalham até com o design de mecânicas voltadas para o formato: Initiative veio em um Commander Legends.

Como evidenciado por Michael Majors em sua explicação, Commander também afeta fortemente o design dos sets principais de Magic. Não é novidade dada o acréscimo de cards lendários a cada expansão e a maneira como algumas keywords e textos de cartas passaram a usar uma linguagem mais voltada para o multiplayer - é uma escolha para tornar o produto de boosters mais atrativo ao seu público maior mesmo quando este precisa de apenas uma cópia de cada card e assim deve ser: Magic é um produto a ser vendido e continuará sendo um produto durante todo seu ciclo de existência e deixará de existir quando este não for mais rentável para a Hasbro.

Mas os jogadores do formato também tem seus limites. Em uma entrevista que fiz com a equipe do Atog de Toga para o canal da Cards Realm, eles mencionaram como uma das maiores dificuldades no Commander hoje é acompanhar tudo: falamos de uma média de 30 ou mais lendárias a cada novo set, com uma expansão saindo entre 45 a 60 dias uma da outra. Além dos comandantes, é necessário avaliar os decks precons de cada set, considerar quais deles valem a pena comprar, quais cards do set principal valem a pena comprar, e quais reprints dos slots especiais (Breaking News, Mystical Archives, Special Guests, etc) são importantes ter em sua coleção - no final, é coisa demais para acompanhar, vera uma sobrecarga gigantesca e uma grande diferença dos períodos pré-pandemia onde havia uma leva de decks a cada ano e inserções pontuais em cada expansão para o formato.

Não há expectativa de mudanças no curto prazo e a Wizards vai continuar lançando produtos de Commander a cada set porque há uma grande demografia de jogadores para consumir eles e, agora que o formato é também considerado a “porta de entrada” de Magic, é natural que uma leva de precons saia a cada set e igualmente normal que sets inteiramente voltados para Commander (Legends, Masters, etc.) se tornem produtos complementares - mas sua filosofia de design requer limites, e talvez Modern Horizons seja esse limite.

Commander não é sobre jogar com staples superpoderosas, mas sobre fazer coisas absurdas com cartas divertidas

A frase acima é mais próximo de um idealismo do que da realidade, mas a essência do Commander desde sua concepção e filosofia é fazer coisas absurdas que você não pode fazer em outros formatos. Quer fechar um combo com The Infamous Cruelclaw e Worldfire e fazer a vida de todos os outros jogadores um pouco pior? Você pode no Commander! Quer jogar com Shirei, Shizo’s Caretaker e fazer um deck usando Shadowborn Apostle? Você pode no Commander! O formato é mais divertido quando você foca nessas interações e são nelas que o design para Commander deveria - e costuma - focar.

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Até cards inerentemente quebrados no formato como a mecânica de Partner ou mágicas que burlam as próprias regras do formato são opções muito válidas de lançar em produtos de Commander e/ou voltados para o formato e permitem alguns designs mais ousados, inclusive com mecânicas como Initiative, que se provaram fortes demais para o cenário de 1x1, apesar dos questionamentos se estes cards deveriam ser válidos em formatos de dois jogadores, são boas propostas para sets dedicados, mas os limites também precisam ser estabelecidos em Commander, afinal:

Commander também sofre com erros de design e power creep, e muito mais do que formatos competitivos

O problema notório com power creep no Commander e o risco de focar demais nele no design de sets é que isso inviabiliza decks tanto quanto faz com outros formatos. Por qual motivo eu tentaria qualquer outro comandante para Cavaleiros quando Sidar Jabari of Zhalfir é melhor do que qualquer um deles desde o ano passado? Para quê tentar outro comandante de zumbis quando Wilhelt, the Rotcleaver é a melhor opção possível? O único motivo é “eu quero jogar com esta lendária”, que basicamente torna o seu deck pior e faz com que o nível de poder dos seus pet cards não acompanhem nem as mesas mais casuais contra precons.

E ouro exemplo pode ser encontrado no próprio Nadu, Winged Wisdom.

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Nadu é um card quebrado e, agora, um erro admitido. Se sua habilidade desencadeasse uma vez por turno, ele já seria um alerta - duas vezes é um exagero. No Commander, ele se encaixa numa categoria problemática por natureza: a de uma lendária para construir em volta de maneiras muito específicas que recompensa jogadores com mana extra e cards extras, um design que já é conhecido por apresentar padrões problemáticos para o formato.

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Adicione algumas cartas que dão alvo em criaturas, habilitadores como Scute Swarm e Springheart Nantuko ou Avenger of Zendikar e você começa a construir uma base muito consistente para o seu “build-around”, Nadu. Alguns tutores, ramp, proteção, mana dorks e outros cards com habilidades que dão alvo gratuitamente e seu controlador já começa a revelar cards a cada ciclo de turno, comprar cards e jogar terrenos o suficiente para jogar Nadu novamente mesmo que ele seja removido por algum dos oponentes - ele é uma ameaça constante na mesa, entra tão cedo quanto no segundo turno em um deck Magic Symbol UMagic Symbol G e não precisa de um “combo” para ser opressivo em qualquer mesa casual, além de fazer jogos demorarem demais com um jogador fazendo tudo sozinho.

Commander tem, claro, a sua leva de coisas absurdas: Thassa’s Oracle pode ganhar o jogo tão cedo quanto no segundo turno quando acompanhada de Demonic Consultation. Peças de Stax como Winter Orb criam situações bem desagradáveis de jogar e tem arquétipos inteiramente dedicados em não permitir que seus oponentes joguem, e tantos combos e mecânicas voltadas a quebrar as regras do formato que não surpreendem existirem mesas onde jogadores não se divertem, e Nadu, Winged Wisdom se encaixa nesse padrão e é talvez uma das engines mais poderosas que o formato já viu.

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A diferença é que, diferente da gestão da WotC onde eles banem quando necessário mesmo com atrasos, o comitê responsável por Commander é bem mais conservador com banimentos e raramente bane algo por conta de cEDH ou mesas mais competitivas porque elas não são a maioria do público, então intervenções são raras e, consequentemente, cards-problema como Thassa’s Oracle ou Nadu ficam mais tempo e/ou nunca deixam o formato, principalmente porque a média de jogadores usando-os fora das mesas competitivas é muito pequena.

Nadu também deveria ser banido do Commander

Isso não significa que o erro de design de MH3 esteja bem no Commander. Como mostrado acima, Nadu, Winged Wisdom é muito fácil de quebrar, mas tem outro problema além deste: não há outro meio de construir uma lista com ele.

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Outras lendárias consideradas muito fortes ou até competitivos tem algumas concessões que podem ser feitas. Enquanto alguns como os Partners agem por conta própria e não requerem construção em volta em excesso, outros precisam de mais concessões no deckbuilding, mas abrem espaço para níveis de poder mais baixos: você não precisa usar combos de combate infinitos com Najeela, the Blade-Blossom ou encontrar o card mais absurdo possível com Magda, Brazen Outlaw, e nem precisa colocar peças de Stax em jogo com Winota, Joiner of Forces para eles funcionarem em mesas de power level mais baixo.

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Nadu é diferente. Só existe um meio de construir em volta dele e é melhor você apostar em outro comandante mesmo que seja em uma mesa casual - se uma mesa casual aceitar jogar contra Nadu para início de conversa - se você não seguir suas regras de deckbuilding. Mesmo que você troque Lightning Greaves por Swiftfoot Boots ou não use tutores para aumentar sua consistência, ele sozinho já é um alvo gigantesco na mesa e seu deck dificilmente vai funcionar se você não dedicar slots em volta.

Ele é parasítico e se tornou automaticamente a melhor opção no seu tema, talvez a única opção consistente e viável nas suas cores. Três manas é muito pouco, ativar duas vezes no turno são vezes demais, Magic Symbol UMagic Symbol G oferece a combinação perfeita entre velocidade, consistência com tutores e proteção barata, e as habilidades dele oferecem apenas uma via de possibilidades para ganhar jogos - portanto, ele não deveria ter muito espaço no Commander por ser um erro de design no próprio formato em que foi pensado, muito pior do que se oferecesse lampejo para permanentes.

Modern Horizons não deveria ser um lar para cards de Commander

Os produtos de Modern Horizons são sua própria linha voltada, como o próprio nome diz, para o formato Modern e consequentemente para o Legacy. Muitos dos seus cards são desenhados como callbacks de mecânicas e staples da Lista Reservada e/ou como propostas mais arrojadas de design que não se encaixam nos padrões de power level do Standard. E se já existe debate do quão saudável as rotações artificiais que eles causam, o debate é ainda pior quando o foco do design do set parece se afastar do Modern para pensar no Commander.

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Existem exceções: cards de personagens icônicos de Magic tem dificuldade de aparecer em qualquer set e termos Urza, Lord High Artificer e Yawgmoth, Thran Physician no primeiro Modern Horizons foi um grande atrativo para os fãs de lore e de Commander - e ambos são excelentes de construir em volta enquanto suas habilidades conversam com a lore geral deles no universo do jogo. Alguns nunca apareceram e ainda esperam sua chance, e Modern Horizons é uma opção para esses personagens icônicos não apenas aparecerem como cards como também impactar formatos eternos como Urza e Yawgmoth fizeram*, mesmo que seu design tenha sido pensado para Commander.

Nadu, Winged Wisdom é um caso diferente porque não há qualquer precedente que o torne um personagem icônico e cujas habilidades conversem com uma lore pré-estabelecida. Ele só estava lá: um card qualquer designado para responder às interações e cuja equipe de design, em algum momento, olhou para uma de suas habilidades e a considerou forte demais para Commander, forçando uma mudança que enfraquecesse suas linhas de texto, mas ainda o tornasse atrativo para esse público, demonstrando a falha no processo de precisar focar em Commander até em sets dedicados para outros formatos eternos.

E ele não foi o único card designado para Commander, ele foi apenas o que deu errado.

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MH3 teve sua leva de lendas voltadas para o formato multiplayer, tal qual MH2 e também MH1. Diferente de seus predecessores, Modern Horizons 3 teve até decks precons de Commander, causando controvérsia e um certo nível de confusão sobre um set ter “Modern Horizons” no nome e os cards da sua caixa não valerem no formato Modern

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Sim, a ideia de ter esses decks em MH3 para conversar com as mecânicas da expansão enquanto também abria propostas que não são possíveis nos produtos de Standard (Energia, Lhurgoyfs, Devoid) foi interessante da perspectiva de design, mas se tivemos este produto dedicado ao público de Commander, por que o main set também precisava focar em Commander ou Nadu, Winged Wisdom estava no main set ao invés de entrar no precon de Omo, Queen of Vesuva como lendária complementar?

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Modern Horizons não é apenas um set onde uma equipe de design pode ser mais criativa e ousada, ele é um upscaling, o power creep personificado em expansão. Tentar trazer esse mesmo efeito ao Commander nesse produto é destinar uma parte dele a ser um risco maior do que ele devia ser para formatos 1v1.

Hogaak, Arisen Necropolis pode, talvez, não vir planejado para o Commander, mas tem todas as características de um card desenhado com o formato em mente e vimos o estrago que ele causou no Modern. Wrenn and Six e os Evokers de MH2, por outro lado, foram construídos em volta de mecânicas já conhecidas ou apenas como propostas ousadas que expansões como essas permitem, e ainda assim causaram seu estrago.

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Em termos de game design, Modern Horizons é muito difícil de balancear. É provável de um banimento cair, mais cedo ou mais tarde, em alguma carta dada a natureza do power creep dessas coleções e isso é uma consequência natural. Pensar demais em Commander nesses sets, ainda mais quando existe uma coleção de decks voltada para o formato na edição, é agregar outra camada de risco na equação e abre ainda mais espaço para potenciais banimentos e/ou que formatos quebrem completamente por - como no caso mais recente - desatenção com alguma interação específica.

Logo, seria melhor para os formatos cujo verdadeiro alvo da categoria MH é planejada se a filosofia de design para Commander ficasse mais distante nessas edições.

Universes Beyond é outra história

Ano que vem, teremos dois produtos de Universes Beyond que podem mexer profundamente com Magic: Final Fantasy, um set completo aos moldes de Lord of the Rings e Marvel, que ainda não sabemos como serão os produtos. As expansões de Beyond são uma criatura diferente quando falamos de game design e formatos competitivos e devem, ironicamente, seguir o rumo oposto e afetar da menor maneira possível os formatos competitivos.

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Por atrair uma gama de pessoas de outra IP, produtos de Universes Beyond são um problema quando personagens icônicos se tornam staples de múltiplos formatos. Cards como The One Ring devem ser poderosos porque eles são peças-centrais na lore do universo onde estão inseridos, mas outros como Aragorn, the Uniter não tem a necessidade de afetar formatos da mesma maneira quando a maioria dos entusiastas do card serão os fãs de Lord of the Rings.

Os designs para Commander testados em Modern Horizons deveriam ser aplicados em outros sets, com Universes Beyond incluso, mesmo quando esses entrarão no Modern, porque o público-alvo desse produto será muito mais interessado em colecionar ou montar decks em torno do seu personagem favorito do que um jogador de formatos competitivos estará interessado em incluir Frodo em seu deck e está tudo bem para ele se o Frodo não for bom o suficiente, então o design arrojado de cards como Nadu, Winged Wisdom podem - e devem - ser voltados para produtos de Universes Beyond se fazem tanta questão deles entrarem no Modern.

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O set de Assassin’s Creed é um ótimo exemplo. Apesar das críticas em torno dos Beyond Boosters, a expansão conversa incrivelmente bem consigo mesma ao ponto de podermos construir decks casuais apenas com os cards dela, as lendárias conversam com a lore geral de Assassin’s Creed enquanto são atrativas o suficiente para Commander e poucos - ou nenhum - card do set fez qualquer diferença para os formatos eternos fora de alguns poucos resultados pontuais.

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Outro exemplo que funciona na aplicação de staples para formatos eternos é justamente não atribuir o subtipo Lendário a elas para manter a facilidade em relançá-los em outro produto futuramente.

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Orcish Bowmasters e Delighted Halfling são staples de múltiplos formatos e ambos podem, se necessário e oportuno, reaparecem novamente em outro reprint set porque seus nomes são genéricos. É diferente do caso de The One Ring que se tornou uma staple do Modern e agora é um card de difícil acesso porque não há como reimprimir a peça central de toda a história da obra de Tolkien sem concessões específicas (ser um slot da The List como uma versão in-universe).

Uma filosofia de jogo digital para um jogo analógico?

Outra frase do anúncio que me chamou a atenção foi o começo do último parágrafo:

“Concluo afirmando que Magic é um jogo muito complexo. Nós não vamos acertar o tempo todo e nem sempre prever como os formatos reagem.”

- Michael Majors

E também a última parte da explicação sobre o design do card:

“Modern Horizons trabalha em um ritmo diferente do Future Future League. Para MH2 e MH3, tivemos um pequeno grupo e trabalhamos no set em uma velocidade específica como uma colaboração entre esse grupo e uma pequena equipe de design de jogo. O tempo de testes é mais denso já que o grupo está inteiramente focado nesse set, mas menor em termos de semanas.”

- Michael Majors

Eu não tenho compreensão ampla de como o game design da Wizards funciona (e acredito que quase ninguém fora da empresa conheça realmente o processo de criação de Magic: The Gathering a fundo), mas essas duas afirmações me fazem imaginar um processo similar ao do planejamento de jogos digitais, sejam eletrônicos ou on-line: a equipe tem um prazo, tudo precisa estar de acordo com esse prazo e ele não é muito flexível, abrindo margem para erros, bugs e outras falhas que serão percebidas apenas no consumo do produto final.

Diferente dos jogos digitais, entretanto, Magic não tem um “patch cycle” onde correções de bugs e outras atualizações necessárias para o jogo rodar conforme o planejado após seu lançamento e/ou para corrigir alguma coisa que não estava conforme o planejado - em jogos competitivos, isso inclui rebalanceamentos - então as únicas soluções são erratas ou banimentos.

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Magic não funciona bem com erratas. A última vez que uma foi necessária para fins competitivos foi com Hostage Taker porque o texto original do card permitia que ele exilasse a si e, consequentemente, criasse um looping infinito caso não houvesse outra criatura em jogo. Se uma errata de “may” já foi demais e levou ao banimento de Amalia Benavides Aguirre no Pioneer nesta segunda-feira, o que uma errata em Nadu não sacrificaria?

Logo, restam apenas banimentos, e como explicado em outro artigo, a Wizards não errou em manter a data do anúncio para 26 de agosto a fim de preservar a integridade da sua comunicação com o público. Além disso, a empresa se comprometeu a trabalhar com anúncios conforme as datas de RCs e RCQs a fim de não intervir nos formatos no meio das temporadas competitivas. Isso virá como um alívio para os jogadores desses eventos, mas será também um momento de mais demandas e reclamações da comunidade on-line do jogo porque, afinal, teremos menos anúncios de banimentos no ano.

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Não existe uma solução perfeita para os problemas de Magic e banimentos são a única medida para consertar seus erros. É duvidoso que o processo de design do jogo - que deu certo durante décadas - para acomodar tempos mais flexíveis de planejamento e playtests - ainda mais em uma realidade onde lançamentos ocorrem com cada vez mais frequência.

No fim, é mais um sintoma de um problema maior

Esse artigo terminou mais como uma bravata do que gostaria. Ler que os erros em torno de Nadu, Winged Wisdom foram causados por preocupações com o card relacionadas a Commander deixou um sabor amargo para qualquer entusiasta de Modern nessa segunda-feira, e é estranho pensar que essa criatura é quebrada até no formato em que ela foi focada.

Mas ainda assumo um compromisso enquanto comunicador de enxergar o mundo como ele é e não como eu gostaria que ele fosse, então vamos ao elefante na sala: o design de Modern Horizons 3 e a inserção de Commander na filosofia do set pode ser apenas mais um dos longínquos sintomas do capitalismo amoque da Hasbro com a Wizards of the Coast.

O mesmo capitalismo que coloca lançamentos muito próximos um do outro, que tirou a localização de Magic: The Gathering e Dungeons & Dragons da nossa língua nativa, afasta a América Latina dos Spotlight Series, demitiu 1.100 funcionários e inclusive parte da equipe que trabalhou com a Larian Studios em Baldur’s Gate 3 na semana que antecedia o natal e, também, que parece servir ao aumento de lucros no curto prazo em detrimento da saúde de longo prazo do jogo.

A Wizards erra - é natural que erre - mas quantos desses erros estão sendo causados por essa natureza agressiva de maximização de lucros que a empresa adotou? E quantos outros continuarão ocorrendo por conta dessa filosofia? E se nós estamos cansados, imagino que a equipe de design - caso o planejamento não ajude - também esteja. Não há paixão que segure um jogo visando torcer o máximo dos bolsos e da boa-fé da sua cartela de clientes a cada ano por muito tempo.

Por fim, gostaria de ressaltar a importância que Commander tem para o ecossistema de Magic. Como mencionado acima, o formato oferece um jeito de jogar da maneira que você quiser e com a combinação de cartas que você quiser fazer sem as restrições dos formatos competitivos - e por isso ele é tão popular. Outro motivo é que Commander é um jogo social, ele é mais próximo de um board game do que de um TCG competitivo geralmente e pode oferecer as melhores ou piores experiências possíveis dependendo do grupo de jogadores onde você se situa.

Existem jogos onde você dá mais risadas em 30 minutos do que na semana inteira, enquanto há situações como uma revirada de olhos ao verem uma Yuriko, the Tiger’s Shadow como sua comandante que lhe fazem repensar se você quer mesmo jogar com aquelas pessoas, mas tudo isso é parte de ser humano - e se Commander tem algo que outros formatos, por vezes, não conseguem comunicar tão bem pelo seu teor competitivo é a humanidade de cada jogador. Seja na construção do deck, na escolha do comandante, ou no seu comportamento - bom ou ruim - durante a partida.

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Ele não é “menos Magic” que qualquer outro formato, e também não é “mais Magic”; é outra proposta, uma mais voltada para um público maior e um que, tal qual jogadores de Modern ou Legacy, também vive os efeitos do power creep, das decisões corporativistas e da sobrecarga de lançamentos dos últimos anos.

Obrigado pela leitura!