Em sua trajetória desde seu anúncio em agosto de 2011, o Modern já passou por diversas mudanças em seu cenário competitivo e por alguns dos momentos mais turbulentos e polêmicos também. Seu Metagame já foi alvo de banimentos inesperados, inserções diretas que incrementaram o nível de poder do formato e deu luz a algumas das estratégias mais degeneradas do Magic.
Algumas dessas estratégias deixaram marcas no imaginário popular, sendo comumente mencionadas quando um novo arquétipo poderoso surge em um formato competitivo. Um dos mais mencionados é o Hogaak, deck que dominou o Modern durante o terceiro trimestre de 2019 e levou ao banimento de três cards para impedir seus avanços predatórios ao Metagame.
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Neste artigo, relembramos como Hogaak se tornou um dos arquétipos mais polêmicos da história recente do jogo e como seu nome passou a ser associado ao título de “deck quebrado” nas mídias sociais!
BridgeVine
Antes da tempestade, havia a calmaria. Em 2019, o Modern passou por algumas mudanças significativas mesmo antes do lançamento do primeiro Modern Horizons. Afinal, além do banimento de Krark-Clan Ironworks no começo do ano, Arclight Phoenix foi lançada em Guilds of Ravnica e moldou de muitas maneiras o comportamento do Metagame, ajudando a popularizar ainda mais os decks de Faithless Looting - a essa altura nomeado o Brainstorm do formato.
Ao lado das variantes de Phoenix, Grixis Shadow, Amulet Titan, Scapeshift, Humans, Tron, Mardu Pyromancer, Dredge, entre outros, competiam pelo topo do Metagame enquanto existia diversidade suficiente para outros arquétipos tentarem a sorte e garantirem bons resultados nos Challenges e eventos transmitidos.
Nesse período, nos confins do Tier 3 do Modern, uma estratégia conseguia puxar resultados ocasionais em Ligas e aparecer no Top 32 dos Challenges, o BridgeVine.
BridgeVine operava com um Aggro-Combo que se aproveitava da interação de cards como Gravecrawler e Stitcher’s Supplier para conjurar duas criaturas em um único turno e, assim, devolver qualquer número de Vengevines do cemitério para o campo de batalha. Além dessa proposta agressiva, ele contava com um “combo” entre Bridge from Below e Goblin Bushwhacker, onde era possível capitalizar em cima da quantidade de fichas criadas pelo encantamento para um gigantesco ataque surpresa.
Apesar dos resultados ocasionais, o BridgeVine viveu na sombra do Dredge, considerado mais resiliente, consistente e melhor estabelecido no Metagame do que o seu suposto sucessor.
Modern Horizons e o Salto de Poder
Quando lançado em 14 de junho de 2019, Modern Horizons, de fato, expandiu os horizontes do Modern de maneira nunca vista antes na história do jogo. A inserção direta de cards para um formato eterno sem passar pela nem sempre cuidadosa curadoria do Standard elevou demais os padrões de nível de poder do formato.
Entre free spells*, Planeswalkers de duas manas, um ciclo inteiro de Canopy Lands, tutores e suporte para variados arquétipos, ficou evidente que Modern Horizons mudaria o formato para sempre. E em meio às diversas novidades que a expansão trouxe, estava o card que protagonizaria um dos momentos mais turbulentos que o Modern já enfrentou.
Hogaak, Arisen Necropolis é um desses claros erros de design que passam desapercebido quando inserimos um nível de poder alto em uma edição com maior espaço para inovar em mecânicas e junções de habilidades.
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Delve, mecânica que estreou em Future Sight, mas se tornou mais popular em Khans of Tarkir, já havia protagonizado situações problemáticas em quase todos os formatos competitivos com Treasure Cruise e Dig Through Time, que deram fôlego e consistência demais aos decks de Tempo e Combo em formatos com acesso às Fetch Lands - ficou evidente que Card Advantage não se encaixa bem com redução simples de custos.
Por outro lado, o mesmo não podia ser dito sobre criaturas: Tasigur, the Golden Fang e Gurmag Angler viram e continuavam a ver algum jogo no Modern e nunca se apresentaram como um problema para a saúde dele.
Antes desses, Tombstalker foi também uma staple do Legacy, e também nunca foi uma ameaça ao Metagame - logo, adicionar essa habilidade á uma criatura não a tornaria quebrada, apesar de que certamente não era o custo incolor ideal para um 8/8 com atropelar quando Tombstalker custava e Gurmag Angler .
Convoke, por outro lado, nunca havia feito nenhum impacto significativo no Metagame fora dos seus tempos de Standard e do uso de Chord of Calling como um tutor eficiente para combos. Diversos cards com a mecânica nunca viram jogo no Modern e nem sequer se apresentaram como um risco aos demais formatos do jogo. Logo, adicioná-lo ao Hogaak e, para equilibrar as coisas, fazer com que ele não pudesse ser conjurado pagando mana deveria ser o suficiente para torná-lo interessante sem especificamente quebrar o formato, certo?
Errado. Possivelmente porque Hogaak tinha um terceiro parágrafo de texto, talvez o mais grave na composição do card: “Você pode conjurar Hogaak, Arisen Necropolis de seu cemitério.” Ou seja, se seus oponentes o destruíssem, caso houvesse criaturas e cards suficientes na mesa, bastava conjurá-lo de novo, e se não fosse suficiente, o fato de poder conjurar este card de seu cemitério transformava uma dúzia de interações de descarte e mill em um card advantage significativo e colaborou para estabelecer a base que tornaria de Hogaak o coração de um dos decks mais quebrados da história do Modern.
Por que Hogaak era um deck quebrado?
Não levou uma semana até jogadores fazerem a matemática de que Hogaak, Arisen Necropolis era muito mais eficiente em uma base dedicada e olhassem novamente para um arquétipo escondido nos confins menos competitivos do Metagame, o BridgeVine. Pouco tempo depois, Hogaak já era considerado o deck a ser batido no Modern!
Hogaak, Arisen Necropolis dava ao BridgeVine tudo o que lhe faltava para ser competitivo: a temática de mill era composta de duas metades, podemos nomear elas como “acertos”, os cards que funcionavam no cemitério, como Bridge from Below, Vengevine e Bloodghast, e os “erros”, aqueles que não faziam absolutamente nada quando jogadas no cemitério, como Goblin Bushwhacker, Walking Ballista e Insolent Neonate.
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A inclusão de Hogaak transformou todos os cards descartados ou triturados em “acertos”. Não importa se fosse um Stitcher’s Supplier ou um Insolent Neonate, eles serviriam como alimento para conjurar Hogaak cedo, independente de quais fossem suas outras funções na lista, tornando desta estratégia muito mais focada e consistente do que os jogadores sonharam que ela seria um dia.
Bushwhackers não eram mais necessários, criatura de custo X para desencadear Vengevine também não eram mais necessários - tudo, agora, girava em torno de uma mesma mecânica, sem possibilidade de erro.
Modern Horizons trouxe, também, mais suporte para essa estratégia além do seu novo card-chave, dando-lhe ainda mais aberturas e possibilidades para finalizar o jogo. Altar of Dementia, em particular, estabelecia um combo absurdo com Hogaak, Arisen Necropolis e duas cópias de Bridge from Below, onde sacrificar a criatura gigante para triturar o próprio deck colocaria todas as cópias de Bridge no cemitério e, em seguida, permitiria ao seu controlador sacrificar Hogaak repetidas vezes para triturar o deck do oponente.
Podemos categorizar o sucesso de Hogaak no Modern em alguns fatores:
Velocidade
Hogaak conseguia estabelecer sua mesa mais cedo do que a maioria dos outros decks do Modern. Com a combinação certa, uma Stitcher’s Supplier no primeiro turno e Faithless Looting no segundo já garantia o suficiente para colocar Hogaak, Arisen Necropolis em jogo tão cedo quanto no segundo turno, e ele nunca vinha sozinho: era comum que Bloodghasts e Gravecrawlers fossem utilizados no mesmo turno para conjurá-lo, e se Vengevine estivesse no cemitério, seria agregado mais quatro de poder na mesa para um total que variava entre 8 e 16 de poder entre os três primeiros turnos.
Ataque por diversos ângulos
Enquanto o BridgeVine era uma estratégia de “go-wide”, que visava ter muitas criaturas em jogo para um ataque explosivo com Goblin Bushwhacker, Hogaak, Arisen Necropolis adicionou uma temática de “go big”, onde um 8/8 com atropelar era capaz de carregar a partida sozinho. Ambas as propostas podiam se mesclar, com jogadas envolvendo conjurar Hogaak e colocar um ou mais Vengevines em jogo no mesmo turno, além de outras micro-interações com Carrion Feeder, Bridge from Below e outros cards vindos do cemitério.
A inclusão de Altar of Dementia também permitia ao Hogaak ter uma temática de combo ao lado de Bridge from Below, permitindo maior inevitabilidade caso o oponente não respondesse apropriadamente.
Alta resiliencia ao hate
Hogaak era tão poderoso e eficiente no Game 1 que diversos decks passaram a incluir entre seis até dez cards só para enfrentar essa partida - e ainda assim, Hogaak conseguia prevalecer.
Pela sua alta eficiência e plano de jogo notoriamente injusto, Hogaak podia separar seu Sideboard em duas categorias: lidar com o hate e jogar contra a mirror - isso era tão notório que seus slots flexíveis eram comumente compostos por Leyline of the Void para ter uma vantagem no primeiro game contra outros Hogaaks, como a lista utilizada por Martin Müller no Mythic Championship IV após o banimento de Bridge from Below.
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Pela falta de necessidade em se preocupar com muitas partidas, Hogaak tinha uma eficiência gigantesca em conseguir jogar em torno do hate com cards como Nature’s Claim, Force of Vigor, Ingot Chewer, Wispmare, entre outros que lhe garantiam um passe livre conta hates mais comuns da época, como Leyline of the Void, Rest in Peace e Grafdigger’s Cage.
Além disso, como já mencionado, Hogaak era um deck muito rápido. Por várias vezes, não ter o card necessário na mão inicial, ou estar na draw e ter um Rest in Peace significava usar o hate um pouco tarde demais porque já havia muito poder no campo de batalha para conseguir vencer o jogo mesmo após “anular” o cemitério do oponente.
Alta capacidade de recuperação
Por fim, Hogaak era muito resiliente contra interação e atrito também. É comum que arquétipos muito explosivos percam o fôlego conforme a partida se estende, então cabe ao jogador usar os recursos certos para prolongar o jogo e exaurir as opções do oponente, mas neste arquétipo em específico, havia sempre uma opção ou jogada capaz de fazer o deck voltar de situações desfavoráveis e apertar o famoso “botão de free-win”.
Quando o oponente focava demais em um ângulo, Hogaak conseguia apenas atacar por outro. Se hate de cemitério demais era jogado contra ele, ele puniria essa abordagem com um beatdown de criaturas 2/1 e Vengevine. Se sweepers fossem usados, ele podia se reconstruir colocando Hogaak, Arisen Necropolis em jogo após uma fetch land devolver os Bloodghasts para o campo de batalha, e se o oponente tentasse responder a todos os ângulos, ele não conseguiria avançar o próprio plano de jogo e terminaria perdendo para o dano pequeno que qualquer criatura que ficasse em jogo pudesse causar.
Essa junção tornou de Hogaak um dos decks mais poderosos do Modern, e lhe permitiu dominar o Metagame mesmo após a primeira tentativa de intervenção no seu nível de poder.
8 de julho: Bridge from Below está banida
Em 8 de julho de 2019, a Wizards soltou um anúncio de atualização de banidas e restritas onde baniu Bridge from Below do Modern em uma tentativa de reduzir a predominância do Hogaak no Metagame.
No artigo, a Wizards comentou que Hogaak possuia uma taxa de vitória em torno de 60% no Metagame do Modern, com um acréscimo de até 66% quando considerado apenas o Game 1, forçando o resto do formato a dedicar espaço demais no Sideboard só para essa partida. Logo, decidiram banir um encantamento com dez anos de existência porque era o card com maior potencial problemático no futuro.
A comunidade não comprou a ideia: diversas reclamações nas mídias sociais, fóruns e artigos foram publicados criticando a posição da Wizards de não banir o elefante na sala - Hogaak, Arisen Necropolis.
Bridge from Below é, de fato, um dos cards mais estranhos que já foram lançados nos 30 anos de existência de Magic: ele não funciona no campo de batalha, suas interações dependem de uma dúzia de fatores para funcionar e ele não é o tipo de card que jogadores podem interagir de maneira objetiva, além de que trapaceia em posição de mesa e custo de manas de forma difícil de lidar corretamente.
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No entanto, o problema do deck não estava no encantamento, e sim no card recém-lançado que alavancou uma estratégia do Tier 3 para se tornar o Tier 0 do Metagame apesar de todo o hate e preparação de maindeck e sideboard em torno dele.
O Verão Continua
A intervenção da Wizards fez muito pouco em diminuir o espaço de Hogaak no Metagame. Pelo contrário: sem a sua peça central de combo-kill, ele ganhou oito novos espaços para incluir o que fosse necessário, permitindo que ele se adaptasse ainda mais para enfrentar o Metagame.
Os resultados foram evidentes: no Mythic Championship IV, em 27 e 28 de julho de 2019, Hogaak e permanecia como o deck mais jogado do formato, com 21.4% de representatividade no Metagame, enquanto Leyline of the Void foi o card mais jogado do evento, com 836 cópias presentes nas listas do evento - apesar desse número estrondoso de hate e preparamento contra ele, Hogaak ainda conseguiu estabelecer uma taxa de vitória de 56% em um dos torneios de maior nível competitivo do jogo.
Apesar de apenas uma cópia do chegar ao Top 8, Hogaak compôs a maioria dos decks com resultado de 8-2 ou maior no torneio, com 11 cópias; os outros 14 estavam espalhados entre arquétipos distintos, enquanto a maioria das listas que sucederam no evento eram compostas de estratégias que buscavam ignorar e ser mais rápido do que o oponente para vencer a partida, como Tron, Mono Red Phoenix, Eldrazi Tron e Hardened Scales.
Sua predominância continuou nas semanas seguintes, com cinco cópias no Top 8 do Grand Prix Minneapolis, onde o arquétipo compôs 19.3% do Metagame e a final do evento foi protagonizada por dois jogadores pilotando decks de Hogaak.
No Grand Prix Birmingham, Hogaak teve uma excelente conversão: de apenas 10% do Metagame no Day 1, ele foi para 21.9% dos decks do Day 2, e colocou três cópias no Top 8, onde Simon Nielsen perdeu as finais pilotando Hogaak contra Rory Kear-Smith, de Mardu Shadow.
Já no Grand Prix Vegas, com 1830 jogadores, o arquétipo dominou o Top 8 do evento com cinco cópias, onde Simon Nielsen venceu o evento e deu o último título de Hogaak antes do seu banimento.
26 de julho: Hogaak está banido
Em 26 de julho de 2019, o terror de Hogaak, Arisen Necropolis chegou ao fim com o anúncio oficial de seu banimento no Modern, além da partida de outro poderoso habilitador de estratégias de cemitério no formato: Faithless Looting.
Com essas mudanças, o Modern passou por outra transformação significativa nas próximas semanas enquanto continuou a viver outras situações problemáticas das quais levaram ao banimento de outros cards nos meses seguintes: Arcum’s Astrolabe, Oko, Thief of Crowns, Mycosynth Lattice e Field of the Dead.
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Quem é o novo Hogaak?
Sempre que uma estratégia explosiva, muito consistente, ou que compartilhe similaridades com o deck de Hogaak aparece, as mídias sociais são inundadas de comentários chamando-o “novo Hogaak”. Dois exemplos desse caso em 2023 foram com o surgimento do Boros Convoke e Abzan Amalia no Pioneer no momento de sua concepção e primeiros resultados em eventos competitivos.
Desde então, o “novo Hogaak” tem parecido uma hipérbole ruim que ressurge sempre que um novo deck com resultados expressivos aparecem, negligenciando seus padrões de jogabilidade, pontos cruciais e legado que o tornou tão famoso no imaginário popular. Para um arquétipo se tornar o novo Hogaak, é necessário que ele apresente números tão expressivos quanto seu predecessor ao ponto de fazer o Metagame se adaptar em torno dele e, ainda assim, conseguir se manter no topo do formato - ou seja, para receber esse título, em primeiro lugar, sua estratégia precisa ser muito quebrada.
Se quisermos olhar para o sucessor histórico do Hogaak, talvez precisássemos olhar um pouco mais para o Pauper, mais especificamente para o estado do Affinity nas semanas que sucederam o lançamento de Modern Horizons II.
Em 2021, o Pauper passou pela maior crise da sua história, onde o Metagame ficou definido por três estratégias: Storm, Affinity e Faeries, pois os cards de MH2 tornaram dos dois primeiros arquétipos poderosos demais se comparados ao resto do formato, com Faeries sendo o único capaz de competir contra eles pela sua matchup positiva contra Storm.
Nesse período, o Affinity se assemelhava bastante ao Hogaak: Seu plano de jogo permitia uma postura de “go wide” com Myr Enforcer e Sojourner’s Companion, Atog possibilitava um “go big” e ainda dobrava como potencial combo-kill e Disciple of the Vault criava suporte suficiente ao lado de Makeshift Munitions e permitia burlar a fase de combate para vencer a partida, somado à sua agora muito consistente base de mana, o Affinity precisou de três banimentos em cards-chave para se tornar uma estratégia um pouco mais justa.
Hoje, ele ainda é um dos melhores decks do formato e obriga jogadores a manter um alto nível de interação com ele entre o maindeck e o sideboard para competir, tornando de cards como Dust to Dust staples do formato e frequentemente estando no limiar entre excelente e quebrado.
Conclusão
Hogaak, Arisen Necropolis deixou uma marca histórica no Modern e em Magic: The Gathering como o primeiro erro de design vindo de um produto almejado para afetar formatos eternos. Essa tendência permaneceu com Modern Horizons II, cuja extensão do seu ciclo de elementais levou ao banimento de Fury anos depois, em 2023.
Ele foi o deck mais quebrado de todos os tempos? Não, esse título pertence provavelmente a algo lançado durante a era da Saga de Urza, sendo necessária uma pesquisa extensiva para definir qual foi, de fato, o deck competitivo mais quebrado de Magic.
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Ele também não foi o mais quebrado do Modern: este provavelmente pertence às variantes de Eldrazi surgidos após Oath of the Gatewatch, mas essa é uma história para quando as mídias sociais denominarem qualquer estratégia que se saia bem durante algumas semanas como “Winter”.
Obrigado pela leitura!
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