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O Elefante na Sala do Pioneer - A Tríade do Combo

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Precisamos conversar sobre a Tríade do Combo, winrates e a definição de um formato saudável.

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revised by Tabata Marques

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Você já ouviu falar do Elefante na Sala ?

A expressão metafórica em inglês "the elephant in the room" refere-se á uma situação ou tópico que, apesar de ser um fato popularmente conhecido ou até mesmo óbvio, não costuma-se conversar sobre por ser de alguma forma desconfortável, controverso ou até mesmo perigoso fazê-lo. Ela é baseada na ideia de que algo tão conspícuo como um elefante pode facilmente ser ignorado ou esquecido devido á diversos fatores e que a repressão, seja ela psicológica ou social, pode ser aplicada em escalas maiores.

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No Magic, já existiram, existem e ainda vão existir inúmeros tipos de elefantes. E quando se trata do Pioneer, um elefante que tornou-se cada vez mais incômodo e visível para os jogadores: A Tríade do Combo.

A Tríade do Combo refere-se aos três decks que tem sido mais presentes nos eventos e, portanto, definem como o metagame se comporta. São eles: Dimir Inverter, Lotus Breach e Mono White Devotion.

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Primeiramente, deixo claro: Eu jogo de Dimir Inverter, e eu adoro o deck. Na verdade, eu tenho um histórico de gostar de decks que tenham um botão de 'free win'. E também tenho um histórico de gostar de decks quebrados que possuem uma vantagem no metagame.

Como comentei no meu artigo anterior sobre o metagame do Pioneerlink outside website, a Tríade do Combo corresponde hoje por volta de 30% dos decks com melhores resultados. Sendo aproximadamente 15% do Dimir Inverter e os outros 15% divididos entre os outros dois decks. Com os outros 70% sendo divididos entre inúmeros tipos de decks diferentes em escala menor.

É claro que, seguindo uma famosa lógica da Wizards sobre o quão presente um deck precisa ser para considera-lo opressivo, que é em torno de 25 á 30% do metagame, nenhum desses decks sozinho chega a tal nível.

Porém, a saúde do formato não é definida apenas por números e trata-se também de criar um metagame que seja interessante, onde é relevante preparar-se para ele e onde as jogadas nas partidas não sejam repetitivas para que estimule os jogadores a participar dos eventos.

E ao que tudo indica, não é bem o que tem acontecido no Pioneer: Duas semanas atrás, os Challanges do Pioneer simplesmente não atingiram seu quórum mínimo de 64 jogadores.

Significa que, de todos os jogadores de Pioneer no mundo com acesso ao MTGO, não houveram 64 que estivessem dispostos á disputar o Challange. Mas, qual é a razão exata para esse fenômeno tão peculiar ?

Devemos primeiro considerar o fator recompensa: O Challange é um evento caro para os padrões do MOL, 30 tix é um valor considerável e, se eu vou investir 30 tix para jogar um torneio ou evento maior, então espera-se que eu jogue para pelo menos fazer um Top 32 para que o evento se pague.

Se eu quero fazer um Top 32 num evento de médio ou grande porte em termos de inscritos, eu não posso apenas estar bem treinado com meu deck, mas também preciso entender o metagame e saber como lidar com cada partida. Tenho também que ter ciência de se meu deck possui alguma real chance contra os melhores decks do formato ou se posso pega-los de surpresa.

Mas, qual é o ponto de eu jogar com meu deck, se os melhores decks podem ganhar o jogo sem sequer interagir comigo ?

Por qual razão eu não estou jogando com um deck que simplesmente possui um botão de "I Win" se eles são o que há de melhor no meta ?

E, mesmo que eu não queira ou não possa jogar com eles, por qual motivo eu deveria me sentir motivado a gastar 30 tix (que hoje equivale, numa cotação de dólar pra real, por volta de 160 á 170 reais), quando eu não estou me divertindo com um formato onde, se eu enfrento qualquer lista do Tier 1, os jogos parecem muito repetitivos ?

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Este é um tópico do qual tenho visto constantemente no Reddit, em grupos de WhatsApp e Facebook e até mesmo em contas do Twitter de jogadores profissionais ativos no formato e influenciadores no último mês: Uma aparente maioria dos jogadores de Pioneer parecem insatisfeitos com o atual estado do formato. E isso deve-se á uma predominância que já faz quase seis meses da Tríade do Combo.

É claro que há muitas situações em que não é porque a maioria acredita em uma coisa, que ela é de fato certa ou verdadeira.

Só que estamos falando de um jogo e principalmente um hobby e, dentro da época sombria em que estamos vivendo no mundo hoje, um escapismo como um hobby é a forma mais importante e eficiente de nos mantermos mentalmente saudáveis e com algum divertimento para espairecer a cabeça.

Para muitos jogadores, o Pioneer é esse hobby e o que está acontecendo com o formato está tornando desse escapismo entediante, se não cansativo ou frustrante. E se o meu formato favorito está entediante, eu vou ter de migrar para um formato onde posso me divertir. Afinal, apesar de toda a questão competitiva, Magic ainda se trata de diversão.

Quando anunciaram que haveria uma atualização de banidas e restritas para o Pioneer no dia 13 de Julho, eu tinha certeza que, com alguma sensatez, três ou mais cartas entrariam para a lista de banidas. E explico abertamente a minha lógica pessoal para cada um delas.

Aqui, deixo uma opinião de que nunca gosto da ideia de simplesmente matar um deck, á menos que ele esteja com níveis absurdos de representação e winrate e/ou quando um banimento mais brando não resolveu o problema (Né Hogaak, Arisen Necropolis !)

Thassa's Oracle é a carta que habilitou o Dimir Inverter e é uma das principais winconditions do Lotus Breach. E bani-la seria uma solução para dar menos consistência ao atual melhor deck do formato sem necessariamente mata-lo. O deck ainda poderia operar, de maneira menos consistente já que agora possui uma wincondition á menos. Pode-se banir Dig Through Time também, já que é uma carta fundamentalmente quebrada e que colabora muito para a realização do combo.

Quando se trata do Lotus Breach, a situação é um pouco mais complicada: Dada as jogadas em loop que Underworld Breach permite e inclusive sendo utilizado como habilitador de wincondition junto á Tome Scour, creio que o encantamento deveria ser banido. Porém, vale ressaltar que a combinação de Lotus Field com cartas que desviram permanentes é extremamente perigosa para o formato á longo prazo e, provavelmente, a land poderia ser banida num momento futuro.

Por fim, Walking Ballista é uma carta problemática porque sempre será um payoff para qualquer deck que consiga abusar de mana e se tornará um problema sempre que um big mana deck ou um deck com capacidade de fazer mana infinita ou abusar de marcadores surgir. E já que Oath of Nissa foi desbanido, podemos supor uma possível volta dos decks de big mana.

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Mas para a surpresa de toda a comunidade, não só carecemos de um banimento, como o Ian Duke, que é o Game Designer Sênior do R&D de Magic, resolveu falar um pouco sobre esse elefante na sala.

"Nós estamos, em geral, satisfeitos com a forma do metagame do Pioneer, com os decks mais jogados tendo forças de fraquezas uns contra os outros. Estamos de olho na quantidade de decks de combo no ambiente, apesar da percepção de que decks de combo tem um winrate predominante não ser comprovado pela data dos jogos do Magic Online. Também vemos uma variedade de decks menos jogados sucedendo, o que indica que o metagame pode continuar á mudar."

A repercussão do texto foi negativa, e nomes como Todd Anderson, Cedric Phillips, Ryan Overturf, Saffron Olive, Ross Meriam e Piotr 'Kanister' demonstraram enorme insatisfação quanto ao argumento utilizado para não banir, alguns explicando justamente que a predominância dos combos está afastando jogadores do formato. E, por mais que seja possível aceitar o argumento, questiono então qual direção os membros do R&D consideram melhor para o formato para torna-lo mais popular ou, pelo menos, para que os eventos no MOL voltem á atingir um bom patamar de inscrições.

Só que Ian Duke citou no texto um outro elefante na sala: Winrates.

É perfeitamente compreensível que a opinião da playerbase não deve refletir o que deve ser banido ou não e que winrates são um importante fator em definir o quão opressivo decks podem ser, mas o grande problema nessa lógica é que simplesmente não temos acesso á nada que reflita com precisão os números de winrate que Ian citou.

Pelo contrário, faz alguns anos que a Wizards tomou a decisão de passar á postar somente listas que fizeram 5-0 e que tivessem pelo menos 5 cartas de diferença entre um deck e outro ao invés de postar todas as listas, além de ter proibido produtores de conteúdo como Saffron Olivelink outside website e Frank Karstenlink outside website de publicarem análises estatísticas do metagame e winrates dos eventos.

Logo, quando se trata de winrate, a comunidade fica totalmente no escuro e a falta de informação precisa sempre vai abrir um espaço enorme para o achismo baseado em crença pessoal.

Vale constar que a omissão dos números de winrate como um todo vêm de uma lógica da empresa de que apresentar tais estatísticas parece resolver os formatos de Magic muito rapidamente e favorecem o netdecking.

Porém, coibir esses números é comprovadamente ineficiente já que os formatos são resolvidos ainda de maneira muito rápida devido ao conceito de "mente grupal" que é facilmente instaurado em fóruns como o Discord e o Reddit, junto de análises de metagame e decks por parte dos jogadores profissionais em seus respectivos artigos.

Um exemplo bem recente é o quão rápido a playerbase percebeu que o Temur Reclamation era o melhor deck do Standard após o banimento do Fires of Invention. O jogo cresceu exponencialmente nos últimos 10 anos e, com seu aumento de popularidade, aumentou também o senso comunitário no que se trata de elaboração de listas, playtesting, análise e adaptação ao metagame.

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Até mesmo antes da ascensão do jogo, Netdecking já era muito comum no Magic, e não há um jeito de resolver essa questão pois tornou-se parte da essência competitiva dos card games.

Pelo contrário, acredito que ter acesso á números mais claros do winrate dos decks e uma análise das matchups permite aos jogadores obter as respostas de como se portar contra os decks mais opressivos do formato, enquanto permite á todos analisar se o metagame está de fato saudável. E, se não estiver, cabe então ao R&D tomar decisões á fim de criar um metagame que, apesar de resolvido, possui uma diversificação grande de decks para criar um bom formato.

Um outro grande problema dessa constante omissão de dados é que somos incapazes, como comunidade, de entender o algoritmo que a Wizards utiliza para definir os winrates e decidir, com base em fatos, se eles estão certos.

Por exemplo, tanto o Lotus Breach quanto o White Devotion possuem combos que são intensivos de cliques no MOL onde o timer para cada jogador é individual. Quantos jogos exatamente esses decks perdem por conta de um timeout, por exemplo ? E quantos jogadores tiveram resultados ruins por má sorte ou porque não souberam pilotar o deck ? O mesmo aplica-se não apenas aos combos, mas á todos os decks do formato. Nós não temos meios de entender o padrão dos jogos que eles estão observando para definir os winrates.

E se a resposta não é banir e nem apresentar números claros de quais decks possuem melhor performance contra os combos, então que o R&D nos dê respostas mais eficientes e abrangentes para lidar com eles. Afinal, combos tendem á ser opressivo quando não possuímos respostas que sejam igualmente eficientes contra eles, e isso não quer dizer que simplesmente não há respostas para esses decks, pois existem.

Mas os três combos precisam ser atacados de maneiras diferentes, e o quanto de espaço temos de abrir nas nossas 75 só para lidar com os combos ? E o quão eficiente isso realmente é se meu side contra Inverter não vai funcionar contra o White Devotion, por exemplo ? Quantas concessões eu preciso fazer na minha lista para ter uma partida decente contra os combos ? Eu ainda consigo competir contra os outros arquétipos ?

No final das contas, criou-se uma situação extremamente sensível em torno do formato onde provavelmente levaria seis meses ou mais para que fosse possível corrigi-lo com respostas mais eficientes aos decks de combo, e ainda assim não sabemos se seria o suficiente.

O Pioneer corre o risco de perder cada vez mais popularidade ao se estagnar no mesmo estado em que está por mais seis meses ou um ano, e logo surge também o risco da comunidade perder o interesse mesmo quando essas respostas existirem ou os banimentos certos ocorrerem.

Afinal, os jogadores já estão lidando com esse exato metagame faz cinco meses, com alguma mudança surgindo somente quando a Wizards lançou uma mecânica que corria o risco de quebrar todos os formatos do jogo simultaneamente e alterar definitivamente a maneira como se joga á ponto de que o jogo poderia passar a se chamar Magic: The Companionslink outside website. E elas não estão se divertindo. Elas não estão aproveitando os jogos.

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Por outro lado, também não é saudável simplesmente ceder á pressão da opinião pública para banir cards pois abriria precedentes para que esse tipo de evento ocorresse em outros momentos apenas para banir cartas que geram um sentimento de desgosto entre os jogadores, e uma comunidade no escuro vai constantemente pedir o banimento de alguma carta em algum formato baseado na sua experiência ou crença pessoal. E isso, inclusive, é outro elefante na sala.

É possível que o R&D esteja enxergando alguma coisa que nós, como comunidade sem acesso á determinados números, não conseguimos enxergar.

Talvez o desbanimento de Oath of Nissa possa trazer algum arquétipo que consiga diversificar o meta.

Talvez Zendikar Rising traga as respostas que precisamos.

Talvez eles mudem de ideia e a gente tenha um novo anúncio de banidas e restritas daqui a duas semanas.

Mas, no que se trata da atualização de banidas e restritas do dia 13 de Julho de 2020, a decisão de não banir serviu apenas para inflamar ainda mais o sentimento de frustração dos jogadores para com o formato.

Cada vez mais pessoas se dizem insatisfeitas com o Pioneer, e cada vez mais o sentimento de que o formato não está saudável ou sequer divertido parece crescer na comunidade. E isso abre um enorme tópico de discussão sobre o que realmente define um formato como saudável e até onde a satisfação dos jogadores é uma influência nessa questão.

No entanto, essa é uma discussão muito complexa, e me preocupa que o formato então termine abandonado pelos jogadores por uma sucessão de decisões erradas por parte dos seus criadores.

Até lá, vou continuar exilando meu deck e castando um Thassa's Oracle abrindo aquele sorrisinho bobo de "Oops, I Win !"